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Arquivo X | 11ª temporada insiste em erros e fracassa ao revirar mitologia original

Novo ano estreou nesta semana, nos Estados Unidos

06.01.2018, às 09H48.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H25

Quando nasceu, anos atrás, Arquivo X era uma série que tinha a seu favor o pioneirismo de provocar a audiência com uma história fragmentada, que precisava ser acompanhada passo a passo para que o quadro geral fosse montado.

Arquivo X/Fox/Reprodução

A ansiedade por respostas deixava os fãs alucinados e essa sensação – tão nova quanto familiar – foi o que provocou uma rede de popularidade que, mesmo sem a internet (ainda engatinhando), impressionava pelo alcance. A série era uma reunião de sucessos: teorias de conspiração, fé, ciência, misticismo, bom texto, atores decentes, inteligência na abordagem de mistérios que poderiam ser retratados de modo ridículo e uma trama central realmente instigante.

Cheia de próprios códigos, a série dividiu a forma de se fazer TV e Lost, que foi a segunda grande pioneira do formato, só teve lugar ao sol porque o espectador foi benignamente condicionado a esperar de um roteiro uma provocação e não uma mastigação didática. E os códigos de Arquivo X são extremamente marcantes. Alienígenas versus governo, versus organizações não-governamentais, versus homem, versus híbridos, versus Mulder, versus outros alienígenas, vírus, vacina e muitas palavras-chave. Métricas de carpintaria textual que sempre se baseiam em anagramas involuntários ou mensagens cifradas – também chamadas de sinais – em tudo que for possível, desde um espírito que sussurra um número e até mesmo código morse aparecendo numa tumografia. Nada pode ser dito claramente, porque o público precisa desvendar aquilo junto com os protagonistas.

Pode parecer equivocado dizer que isso não funciona mais hoje em dia, sobretudo porque não só Lost, mas até a recente Westworld, são constituídas de pistas escondidas que servem para compôr o grande plano. Porém, depois de tanto tempo fora do ar, ao retornar usando os mesmos códigos, a série chocou-se com uma dura realidade: aquilo que desafiava o espectador dos anos 90 não desafia mais. Assim, quando apresenta seus episódios mitológicos (que abordam a trama central), o seriado se mostra cansado, repetitivo, delusional, pretensiosamente considerando-se inovador quando no fundo, soa como uma paródia de um episódio d'Os Simpsons.

A cada repetição constante das palavras-chave que compõem a identidade da série, mais se abre o abismo da irrelevância. Contudo, no desespero para criar uma trama coerente, a produção revirou decisões antigas e imaculadas, o que começou a desenhar um quadro verdadeiramente alarmante.

Our Struggle

A estreia do 11º ano de Arquivo X começou com um monólogo do Canceroso (William B. Davis), o personagem mais reciclado da história das séries de TV. Chris Carter, o criador da série, tem um fetiche absurdo por ele. Além de não haver nenhuma justificativa plausível para a sobrevivência do homem, Carter - que escreveu e dirigiu o episódio – faz diversos planos fechados no fumante inveterado, valorizando cada minuto dele de tela como se fosse o personagem mais importante, como se aquilo fosse o que os fãs mais estivessem esperando. E não é.

A presença do Canceroso é nociva para a trama da série em todos os níveis possíveis, porque não só atrapalha novas abordagens, como fragiliza a primeira mitologia (fechada na sétima temporada) justamente por ser ele, o Canceroso, usado como elo entre passado e presente.

Os problemas continuam quando o gancho da temporada passada é tratado como uma pegadinha, como uma "visão” de Scully, o que deixa o episódio com uma aura mais mequetrefe do que jamais imaginamos. Gillian Anderson já declarou que não volta para uma nova temporada e, ao ver como a personagem vem sendo tratada, fica bastante evidente que a mulher forte que a atriz interpretou está impedida de se impôr por causa de um roteiro opressivo, que a enclausura em camas de hospital consecutivamente. Isso sem falar no vírus Sparta, um recurso cansativo que já estava esgotado mesmo lá nos anos 90.

Carter se debate, enche o episódio com flashbacks (do Canceroso, claro) que pretendem reforçar que o homem quer mesmo é acabar com a raça humana, numa daquelas motivações que parecem saídas de um filme infantil ruim, em que o vilão quer exterminar todos sem parar para pensar que ficará sem nada para dominar depois. A presença de Monica continua sem sentido e precisamos aceitar que Jeffrey Spender fez o transplante de um rosto praticamente igual ao que tinha antes de ser desfigurado. A maçaroca de absurdos piora com Scully servindo de vidente para um Mulder correndo atrás do próprio rabo. As coisas para David Duchovny estão igualmente ruins.

Smoke Monster

Então, quando não parecia que nada mais poderia prejudicar a integridade da série, Carter resolve ir até o sétimo ano, no episódio escrito e dirigido por William B. Davis, lançar a "verdade" mais chocante de todas: o Canceroso e Scully estão ligados de formas surpreendentes. A questão é puramente o "choque gratuito", já que a "virada" escava uma verdade estabelecida desde o começo como parte de uma decisão irrevogável, justamente porque revogá-la seria o mesmo que trair a confiança do espectador.

Scully sofre uma agressão ao legado da personagem, além da situação toda ser extremamente desconfortável, constrangedora e inconsequente. Mas, claro que podemos dizer mais para frente que não era nada disso e, enfim, o circo está armado e os palhaços somos nós.

Existe, em resumo, um único ponto desafiador dessa estreia, que te traz um sorriso e te faz lembrar de como Arquivo X era mesmo surpreendente. A frase de abertura - que geralmente só muda de "The Truth is Out There" em ocasiões especiais - foi alterada de um jeito que nunca tinha sido feito antes. O jogo de palavras pode ser um sinal de que mentiras e verdades, as palavras preferidas dos roteiros, rondam as decisões e nos colocam de reféns. Se Carter pode dizer que eram mentiras as verdades estabelecidades e dizer que são verdades as mentiras que nos foram contadas, não há porque se envolver com a história. Qual espectador aguenta chorar por mortes que são desmentidas, por eventos que se revelam fantasias e por verdades que sofrem mutações tão convenientes?

A esperança são os episódios procedurais que vão compor a temporada até o último episódio, que deve ser mitológico novamente. Essa estreia, infelizmente, reafirmou que esse revival é um agente pútrido na carreira da série e que, pouco a pouco, vai contaminando tudo que ela representou por anos e anos de boas tramas e emoções.

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