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Cidade dos Homens | Relançamento da série se preocupa demais em recuperar o passado

Último episódio vai ao ar nesta sexta (20)

20.01.2017, às 19H49.
Atualizada em 20.01.2017, ÀS 21H06

Existe uma pequena tradição entre as sitcoms americanas que tem bastante a ver com a presença de crianças em seus elencos: quando o tempo passa e a criança cresce, geralmente outro personagem infante é encomendado para suprir aquela “taxa de fofura” perdida. Em muitos casos (como em séries teen), quando personagens precisam se ausentar por razões práticas ou criativas, réplicas quase exatas surgem no início da temporada seguinte. Manter o público interessado mesmo após a perda de grandes exemplos de carisma é a grande preocupação das redes na hora de preservar seus produtos dentro da programação.

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Quando Cidade dos Homens estava no ar o seu maior forte era ser protagonizado por dois meninos. Darlan Cunha Douglas Silva faziam da série uma mistura sensacional de inocência (afinal eles eram mesmo crianças) e doses cavalares de realidade, porque a natureza infantil de ambos vivia sofrendo os contrastes crueis da rotina dentro de uma comunidade dominada pelo crime. Eles tinham sonhos e brincavam como qualquer criança, mas desde muito cedo precisavam lidar com a morte, com o terror, com as dificuldades domésticas. Por pura necessidade, eles eram obrigados a viver por conta própria enquanto suas famílias lutavam pelo sustento. Essa ambiguidade sempre foi o forte da trama.

Entre 2002 e 2005 (período em que o programa ficou no ar), o público acompanhou os dois atores e os dois personagens passarem da tenra infância para a adolescência. Embora eles já fizessem sexo (e até fizessem filhos), o acompanhar dessa evolução mantinha para o público a ideia de que o amadurecimento deles era notório, mas não suficientemente intenso a ponto de fazê-los perder a candura. Agora, em 2017, 12 anos após aquele que foi o último episódio, Cidade dos Homens retorna e as coisas não são mais as mesmas. Metade do público não sabe quem eles são e a outra metade esqueceu de como eles eram. Se a essência do programa era essa dinâmica infantil em contraste com a crueza, como reproduzi-la com dois personagens que já se tornaram adultos?

Cidade de Antes

Esses questionamentos são respondidos com duas posturas contundentes. A primeira diz respeito ao resgaste da memória. Na conversa que o Omelete teve com os atores e com a direção da série, soubemos que os quatro novos episódios seriam tomados de flashbacks que relembrariam a trajetória dos meninos. E foi isso mesmo que eles fizeram... Se colocarmos em perspectiva o quanto de material inédito existe nos três primeiros episódios, é quase nada. No primeiro a história é apressadamente apresentada e em seguida Laranjinha Acerola passam quase todo o tempo relembrando momentos de sua história juntos.

A nova leva de episódios começa com Laranjinha contando ao amigo que seu filho tem uma doença cardíaca grave e que precisa de dinheiro para uma cirurgia. Esse conflito é apresentado de maneira muito casual, mas a produção ao menos se preocupou em escolher episódios específicos que se relacionavam com o atual momento dos personagens. Dificuldades financeiras, questões de paternidade e o flerte com o crime são os assuntos-base de Cidade dos Homens, agora não é diferente. Os flashbacks relembram a boa dinâmica dos atores, relembra a relevância do diálogo entre arte e documento que essa série fazia tão bem. Mas, ao mesmo tempo, vão esvaziando a suposta força que a nova história deveria ter.

Não há muito tempo para nada. O investimento na relação entre os dois novos meninos (filhos dos protagonistas) poderia ser maior, sobretudo porque a ressuscitação do carisma entre Laranjinha eAcerola é um trabalho totalmente inútil. Luan Pessoa Carlos Eduardo Jay são adoráveis e inteligentes, tanto quanto eram seus “pais” quando crianças. A presença deles é a segunda forma que a direção encontra de manter o interesse da audiência e de reproduzir o charme das primeiras temporadas. A série agrega o novo mundo das redes sociais, mas fica devendo – e muito – no investimento dramatúrgico periférico. A nova rotina de uma comunidade depois de mais de uma década passada não vira assunto nesse retorno. Tiros, mortes, coincidências e aquele velho toque de lúdico estão lá, mas tudo é ligeiramente superficial, já que se espreme em quatro episódios que priorizam o passado.

Quem já conhece os protagonistas já tem uma relação de afeto com eles e torce para continuar vendo mais aventuras. Mas, para novos espectadores pode não ser tão atrativo. A pressa com que a nova trama se desenrola a enfraquece naturalmente e torna tudo esquecível. Isso é lamentável, porque se antes o mundo de Cidade dos Homens era dono de uma relevância artística e social importantíssima. Agora, assim como com todas as séries que replicam seus pontos fortes, ela parece ser apenas um reflexo distante de si mesma.  

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