Séries e TV

Artigo

Filhos da Pátria | Nova série busca as origens do “jeitinho brasileiro”

Fernanda Torres e Alexandre Nero estrelam a comédia

20.09.2017, às 13H26.
Atualizada em 20.09.2017, ÀS 14H03

O ano é l822 e a independência do Brasil acabou de ser proclamada. As ruas se enchem de otimismo entre aqueles que nasceram nas terras do pau-brasil e também de receios daqueles que vieram de longe, lá de Portugal, a nação responsável por boa parte das influências culturais que nos constituíram desde aqueles tempos. O Brasil agora pode ser ele mesmo, ainda que ele mesmo seja fruto de tantas referências, sendo essas referências uma parte importante da natureza essencial do povo. O fato é que, historicamente, ninguém pode saber de onde vieram nossos vícios amorais. Mas, com a ajuda de uma boa dose de ficção, pode-se especular.

Bruno Mazzeo surgiu com a ideia de Filhos da Pátria no começo de todo esse turbilhão político e social que dominou o país. Em termos de relevância, é como se a série tivesse diante do momento perfeito para fazer sua presença na televisão. O brasileiro, que colocou faixa na cabeça, pintura no rosto e foi para a rua pedir o fim da corrupção, é o mesmo que dá um jeitinho de se livrar das multas do carro com a ajuda de “um amigo que resove tudo rapidinho”. Esse nosso compartamento oportunista tem sido fonte de inspiração para muitas críticas e obras ref'lexivas, sendo a série em questão um investimento inesperado nesse contexto.

A trama começa imediatamente após a proclamação da independência, que afeta a família de Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero) diretamente. Ele tem um emprego numa repartição, mas por ser português (e não fazer muita questão de falar sobre isso) a mudança pode lhe trazer importantes desdrobramentos. Animada com as possibilidades, a mulher dele, Maria Tereza (Fernanda Torres), começa seus planos de ascender socialmente, numa representação direta de uma ideia de sucesso que nos persegue até hoje: quanto mais você tem, mais você vale. O problema é que nessa nova ordem estabelecida das coisas, Geraldo precisa de mais que caráter para continuar sobrevivendo e provendo sua família.

Pais e Filhos da Mesma Pátria

A ideia da série é bastante clara, mas talvez sua missão mais difícil seja conseguir aplicá-la ao produto final. Produzida para ser um estudo bem-humorado da essência oportunista do brasileiro, ela parte da premissa de que aqueles foram tempos que resguardam parte do que nos persegue até hoje. Geraldo é um homem que não tem o menor interesse em deixar de andar conforme as regras, mas que vai sendo empurrado pelas circunstâncias, como se não tivesse escolha, quando, na verdade, tem. O problema é que ele, como todo “inocente que se desvia”, é tentado pela voz maléfica de seu colega de trabalho (vivido por Matheus Nachtergaele), um personagem que já está com sua malandragem toda pronta. Ele guia Geraldo por um terreno pantanoso da mesma forma que tantos outros personagens tentaram fazer com herois até hoje, o que, de certa forma, enfraquece a premissa. Se Filhos da Pátria quer satirizar as origens do comportamento oportunista do brasileiro, já termos um brasileiro-malandro pronto, em ação, soa ligeiramente contraditório.

Apesar disso, a série é extremamente divertida. O humor de escritório de Mazzeo serve aos propósitos satíricos de uma classe média que não está tão distante da nossa. Alexandre Machado (cocriador de Os Normais) entra com uma sagacidade menos previsível no texto, incorporando uma certa elegância aos diálogos. A série toma algumas decisoes curiosas, como o núcleo de escravos, bem diferente de tudo que já vimos a teledramaturgia fazer, além de uma linguagem menos rebuscada, climatizada com uma trilha sonora contemporânea que tem a exata função de manter claras as pontes entre o passado e o presente.

Nero e Fernanda são muito competentes em construir tipos que transitam essas duas partes do nosso tempo, mas ela, especialmente, pega o texto de Bruno e Alexandre e transforma em mágica. A escrava vivida por Jessica Elen estabelece as diferenças necessárias e sua articulação e segurança são atípicas nesse tipo de produção. A filha do casal de protagonistas (vivida por Lara Tremouroux), também corre contra a correnteza ao rejeitar todo o futuro planejado pela mãe, dando falas de empoderamento feminino que naquele contexto, fazem o charme de Filhos da Pátria ainda mais relevante. A sensação é de que estamos vendo algo que realmente foi pensado para ser diferente e provocativo.

Assim, embora conceitualmente a série se enfraqueça por não ir para nenhuma direção que já não conheçamos, ela é uma opção de entretenimento das melhores. Cheia de boas atuações, direção esperta e um texto que mesmo construído em bases convencionais, encontra uma voz incomum e bem-vinda. Rindo, pode ser que o espectador regular desvende-se e perceba que os nossos problemas nunca foram somente os poderosos, mas sim nossa própria disposição para o atalho, essa sim, realmente nociva e poderosa. 

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