Séries e TV

Artigo

Preacher começa na TV com certa vergonha de sua essência

Trinca de protagonistas segue os exageros de seu criador, mas o mundo da série parece mais contido que o dos quadrinhos

23.05.2016, às 16H10.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

Em 1995, com a popularidade de Sandman e das chamadas "HQs adultas" da DC/Vertigo, a série em quadrinhos de Preacher começou já chamando atenção. A obra do roteirista irlandês Garth Ennis e do ilustrador Steve Dillon pegava os temas que estavam indo tão bem na criação máxima de Neil Gaiman, como a violência, o sobrenatural, a religião e o drama, e incluía aí uma dose cavalar de humor negro extremamente caricato. A comparação imediata era com o trabalho do jovem Quentin Tarantino, que na época havia acabado de lançar seu Pulp Fiction: Tempo de Violência. Ennis chocava o público a cada edição, com um "gibi" que era ao mesmo tempo ultraviolento, escatológico, blasfemo e - por que não? - romântico e absolutamente divertido.

None

Nesses mais de 20 anos desde seu início, Preacher despertou o interesse de emissoras e estúdios, que tentaram levá-la para as telas. Foram Seth Rogen e Evan Goldberg, fãs da série, que levaram o projeto à AMC - que já tem crédito com adaptações de quadrinhos graças a The Walking Dead -, sob o comando de Sam Catlin (Breaking Bad).

O primeiro episódio, porém, já prova que os leitores da HQ podem esperar muitas alterações no material original. A trama de fundo permanece - aparentemente - a mesma. O jovem pastor Jesse Custer (Dominic Cooper) retorna à cidadezinha de Annville, Texas, para comandar a igreja local. Mas seu monótono cotidiano, que ele suporta graças a altas doses de uísque e cigarros, é abalado com a chegada de uma entidade inexplicável. Igualmente impactantes são as entradas no local de Tulipa (Ruth Negga), uma antiga parceira, e o vampiro irlandês Cassidy (Joseph Gilgun).

O elenco foi bem escolhido. Cooper e Gilgun parecem saídos diretamente das páginas. Já Ruth Negga, excelente atriz de Warcraft e Agents of SHIELD - elogiada no recém-concluído Festival de Cannes -, faz uma versão mais empoderada, radical e letal da Tulipa. Tanto o interesse romântico do pastor quando o vampiro surgem bem mais cedo na trama, "corrigindo" a história conhecida da HQ, que emprega certas coincidências nessas introduções. Já Cooper começa desde sua primeira cena em sua versão desacreditada, com a série ignorando sua fase limpinha e barbeada do começo da HQ- que seria mais interessante, já que poderia ser um choque ver um pastor convencional em um rompante de violência. Outros personagens, como o Cara-de-Cu (Ian Colletti), também aparecem antecipadamente, enquanto outros - como o xerife Root (W. Earl Brown) - são muito mais verossímeis que suas contrapartes das páginas. Easter eggs sugerem participações vindouras, como a do degenerado Odin Quincannon, e o Santo dos Assassinos (cuja presença segue uma das grandes dúvidas da série).

Ainda que não economize no vampiro (bastante gore), nas habilidades de Tulipa ou mostre a entidade Gênesis singrando o espaço e testando outros hospedeiros (há uma ótima piada com Tom Cruise), parece que Preacher teme exagerar na retratação dos personagens comuns. Basicamente, não sente-se nesta versão a estranheza constante da série da Vertigo. Pelo menos não neste início, criado para fisgar público e despertar o interesse da emissora por uma temporada completa. A real natureza da obra poderia enterrá-la antes mesmo da série começar, talvez.

Fica a esperança, no entanto, por um mergulho mais profundo - e sem vergonha - no universo perturbadíssimo de Garth Ennis nos próximos episódios.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.