Séries e TV

Artigo

The Sinner | Série com Jessica Biel problematiza trama simples e quer chocar pela violência

Programa reforça o fetiche da televisão contemporânea por personagens perturbardos e amorais

07.08.2017, às 13H26.
Atualizada em 07.08.2017, ÀS 14H03

Quase vinte anos já se passaram desde a chegada de Família Soprano na HBO, mas ainda hoje, ouvimos os ecos do que a criação de David Chase provocou na forma como a teledramaturgia passou a ser executada: ainda que vilões sempre tivessem exercido fascinação nas audiências, eles sempre eram antagonistas e nunca o centro de um nó dramático. O mafioso sociopata, violento, cruel, oportunista e traidor, que conseguia - a despeito de tudo isso - cativar o público, acabou se tornando um modelo a ser seguido por todos os produtores que pretendiam uma carreira de sucesso na televisão.

De lá pra cá foi uma verdadeira infinidade deles... Quase todos os dramas de maior afinco artístico eram protagonizados por personagens hiper complexos, dotados de abundante inteligência e muitas, mas muitas falhas de caráter. Em alguns casos, até mesmo sofredores de doenças crônicas que transformavam seus comportamentos. A regra é simples: eles precisam sofrer muito e causar muito sofrimento. Mas, temos que torcer por eles justamente porque enxergamos essas fronteiras da humanidade.

The Sinner, adaptado da obra de Petra Hammesfahr é mais um exemplo desse "vírus" que atacou a TV e que está por toda parte. A série, inclusive, consegue se enquadrar num nível acima do convencional: além de lidar com uma protagonista que sofre de possíveis distorções da realidade, o antagonista que tem tantas complexidades emocionais quanto ela. Apenas com o piloto já fica claro que estamos diante de uma série ligada aos aspectos mais obscuros da existência, ainda que eles sejam iluminados pela luz do clichê.

Os Pecadores

A história começa com Cora, vivida por uma Jessica Biel decidida a chocar com a crueza da própria aparência. É bastante claro pelo olhar da personagem, pela ambientação das cenas, que algo muito ruim está para acontecer. O comportamento de Cora é introspectivo e sombrio; e o roteiro se apressa em estabelecer muito rápido - através de flashbacks - que a psique da personagem vem sendo afetada por um passado de abusos parentais que levará a uma espécie de erupção comportamental que dará o pontapé para que a história comece a se desenvolver. Um dia, num banho a beira de um lago, com a família, Cora se desliga do que aparentemente é seu próprio senso de realidade e mata de forma brutal um completo estranho.

Nesse mar de produções que se preocupam tanto com o "quem", The Sinner se candidata a fazer a diferença se perguntando o "porquê". O programa se vende todo em cima dessa premissa e logo no piloto começa seu trabalho de problematizar o que parecia ser muito simples: uma mãe de família teve um surto e matou. Seja por razões clínicas ou circunstanciais, um surto seria a explicação mais viável. Então, o detetive Harry Ambrose (Bill Pullman) surge decidido a entender as motivações de Cora, o que inicia para o espectador esse processo de problematização: de repente, aquele estranho pode não ser tão estranho assim, de repente não era só um surto, de repente pode ser que Cora soubesse bem o que estava fazendo...

A série é até eficiente em plantar essas dúvidas. Os aspectos técnicos também são bastante satisfatórios. O problema talvez seja a abordagem direta demais da protagonista, que imediatamente mergulha em lembranças infantis que didatizam as pistas para seu comportamento violento. A sequência deslocada de Harry vivendo suas experiências de sadomasoquismo também não ajudam a naturalizar a narrativa. Tudo, o tempo todo, tem que ser super intenso e dramático, o que, inevitavelmente, enfraquece a dramaturgia. O vácuo desse motivo que desconhecemos é bem demarcado pela narrativa, mas até mesmo o especial interesse de Harry no caso de Cora parece desproporcionado.

Tensão constante, choque moral, violência e desvios psicológicos não podem ser o centro de uma trama e sim uma cama de detalhes em que uma história possa se deitar. Com oito episódios, The Sinner tem a missão de manter o público interessado em seus porquês, ainda que a chave para o interesse do espectador possa ser muito mais o "como".

The Sinner estreou em 2 de agosto nos EUA pelo canal USA.

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