Séries e TV

Artigo

Vade Retro | Produção de Alexandre Machado e Fernanda Young – ironicamente – peca pelo conceito

Programa marca retorno da dupla à TV aberta

22.04.2017, às 10H29.
Atualizada em 22.04.2017, ÀS 12H08

O primeiro trabalho do casal Alexandre Machado Fernanda Young como roteiristas na TV foi na saudosa série de antologias A Comédia da Vida Privada. Anos depois, os dois conseguiram a aprovação de um projeto que acabou se tornando um dos maiores sucessos de crítica e público da história das séries de TV nacionais: Os Normais. Exibida entre 2001 e 2003, a vida de Rui Vani era um despertar de linguagens inusitadas para a televisão aberta e ainda hoje, quase 20 anos depois de sua estreia, ainda é o melhor exemplo de investimento seriado com identidade e inteligência. E que representa também a consolidação do estilo narrativo de seus autores.

Depois que Os Normais terminou, Fernanda Alexandre ainda emplacaram sucessos de audiência como Minha Nada Mole Vida Macho Man. Também chamaram a atenção da crítica com ideias espertíssimas que não tiveram grande público, mas tiveram muito respeito. Entre elas, Os Aspones e O Sistema. O estilo da escrita dos dois é uníssono e geralmente foca no homem comum, no indivíduo ordinário e sua observação do mundo. Alexandre Fernanda gostam da narrativa do loser, do ser humano medíocre, e toda vez que contaram histórias sobre esse tipo de personagem, foram bem sucedidos. A primeira investida deles numa linguagem mais “fantástica” foi em O Dentista Mascarado, o que acabou resultando no maior fracasso também. Vade Retro bebe nas mesmas perigosas fontes e assim como seu colega de lúdico, pode acabar afogado.

Advogada do Diabo

A história é bem simples: Celeste (Monica Iozzi) é uma advogada mal sucedida que tem uma história de vida peculiar: quando criança, foi beijada pelo Papa e acabou se tornando um símbolo de fé por causa disso. Ela tem um namorado que comparece a uma palestra motivacional para empresários e lá, conhece Abel Zebu (Tony Ramos), o palestrante que fica muito interessado quando ouve a história de Celeste. Ele vai atrás dela, contrata-a para cuidar de seu divórcio, enquanto planeja usá-la para ser “laranja” de seus negócios escusos. Celeste, enquanto isso, começa a desconfiar que Abel seja o “capiroto” em pessoa.

Alexandre Fernanda são ótimos cronistas. Eles falam muito bem sobre cotidiano, sobre rotina, sobre idiossincrasias sociais. Eles sempre tiveram uma capacidade de enxergar a mediocridade e dar a ela uma voz debochada, satírica, tornar as pequenas manias e amoralidades do homem comum em material para um humor sagaz, rápido e até escatológico algumas vezes. Essa abordagem foi até confundida com superficialidade por muitos setores da crítica durante alguns períodos em que Os Normais esteve no ar. Mas, de fato, poucos roteiristas na TV conseguiam compreender tão bem o poder das coisas menores do dia a dia.

O Dentista Mascarado Vade Retro têm uma coisa em comum, as duas experimentam narrativas que flertam com a grandiloquência. Em busca de um elemento fantástico, os roteiros se afastam um pouco desse recorte cotidiano e como tudo que eles fazem é referencial, há um grande tempo dedicado a ilustrar essas referências. Os diálogos rápidos, espertos, que são característica forte do trabalho deles, perdem força para a construção dessa trama “conceitual”. Vade Retro nasceu com doses de horror, com o pé no mundo do Zé do Caixão e isso inclui um maniqueísmo inerente a isso. Tudo que envolve Abel Zebu é cheio de obviedades sobre a ideia do mal e por causa disso, logo as interpretações de Tony Ramos Maria Luisa Mendonça (que vive sua mulher) ficam cansadas da própria melodia cheia de “segundas intenções”.

A necessidade de envolver tudo desse conceito atrapalha o estabelecimento dos personagens. De certa forma, fica uma certa discrepância textual, já que toda vez que as cenas estão no campo da trivialidade o episódio cresce, para logo perder força quando precisa se reencaixar nos moldes em que aprisionou-se na hora da idealização artística. O programa acaba soando frio, sem charme, parecendo só uma oportunidade para vender a presença de Monica Iozzi, assim como O Dentista Mascarado tentava vender a presença recém-chegada de Marcelo Adnet. Isso pode mudar no futuro, mas a primeira impressão é definitivamente desanimadora.

Mestres da abordagem ao homem comum, Alexandre Machado Fernanda Young ainda tentam novos territórios, mas acabam só reforçando que em algumas vezes é melhor investir no que você faz bem do que ser medíocre quando decide ousar.

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