Séries e TV

Crítica

Holocausto Brasileiro | Crítica

Documentário da HBO escancara a desumanização institucionalizada dentro do Hospital Colônia

18.11.2016, às 14H30.
Atualizada em 18.11.2016, ÀS 15H56

Em determinado momento do documentário Holocausto Brasileiro, nova produção da HBO baseada no livro homônimo de Daniela Arbex, a jornalista pergunta a um entrevistado: “Como é fotografar pessoas que não têm mais condição humana?”. Perplexo, o fotógrafo não consegue responder. O sentimento de perplexidade é o principal fio condutor do documentário, que estreia neste domingo, dia 20, às 21h, no canal MAX. Como conseguir colocar em palavras o que acontecia entre as paredes do hospital Colônia?

Fundado no início do século 20 na cidade de Barbacena, Minas Gerais, com o intuito de tratar tuberculosos e doentes psiquiátricos, o hospital foi palco de um dos maiores genocídios da história recente do Brasil. Durante 50 anos, cerca de 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia, transformado aos poucos em um verdadeiro campo de extermínio. O local era o trágico destino daqueles que a sociedade não queria por perto. Homens, mulheres e crianças eram amontoados em vagões superlotados para uma viagem sem volta. No "trem de doido" entravam pobres, homossexuais, meninas grávidas, prostitutas, alcoólatras, crianças indesejadas, pessoas sem documento ou expulsas de casa pela família.

Com relatos de sobreviventes, ex-funcionários, pesquisadores e familiares, o filme escancara o destino dos pacientes do hospital e revela a verdade escondida por mais de cinco décadas de descaso. A degradação acontecia das mais diversas formas: comer ratos, beber água de esgoto ou tomar eletrochoques constantes e remédios vencidos. Um holocausto silencioso e gradual, praticado sob a tutela do Estado e com a conivência da sociedade médica e da população local. Ao chegarem ao manicômio, os internados tinham uma rotina desumana. Eles dormiam juntos em grandes cômodos e se deitavam sobre o chão coberto apenas por capim. Acordavam diariamente por volta das 5h da manhã e eram enviados para os pátios, onde ficavam até 19h. O hospício, que chegou a ter 5 mil pessoas internadas, tinha a capacidade original de 200 pacientes. Além disso, o instituto não comunicava aos familiares a situação dos pacientes. Em um dos momentos mais emocionantes do documentário, um senhor, acompanhado do filho, descobre o nome da mãe em meio aos registros de indigentes do hospício; sua mãe tinha sido enviada para Barbacena a mando do pai, sem o conhecimento de nenhum familiar.

A apresentação imparcial da tragédia do Colônia é a maior qualidade de Holocausto Brasileiro. Daniela e equipe expõem em depoimentos a crueldade da situação calamitosa do hospital, mas não apontam o dedo às atitudes e comportamentos de ex-funcionários e outras pessoas que tiraram proveito da situação por tanto tempo. É necessário frieza para ouvir o relato de um ex-funcionário comparando pacientes a cachorros, ou a confissão de uma enfermeira sobre os choques que aplicava nos internados, ou ainda a constatação de que o ex-tesoureiro do Colônia se beneficiou do esquema de venda de cadáveres e ossos para faculdades de medicina em todo o país. Para a jornalista, o importante é mostrar a verdade, sem juízo ou julgamento.

As atrocidades no Colônia só começaram a diminuir quando a reforma psiquiátrica ganhou fôlego em Minas Gerais, já no fim da década de 1980. Atualmente, o manicômio é mantido pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) e conta com aproximadamente 150 pacientes do período em que o local viveu seus dias mais sombrios. Necessário em um momento de dificuldade da luta manicomial dentro do cenário político atual, Holocausto Brasileiro é a história que precisa ser contada para que o país não cometa os mesmos erros do passado.


Nota do Crítico
Excelente!

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.