Séries e TV

Entrevista

A Rainha do Sul | Alice Braga fala sobre sua carreira, a conquista do reconhecimento em Hollywood e muito mais

Conversamos com a atriz sobre sua jornada no cinema até agora e o ingresso na TV americana

07.07.2016, às 12H09.

A convite do canal Space, conversamos com Alice Braga, a estrela da nova série do canal A Rainha do Sul. Falamos com a atriz sobre sua jornada como atriz, a chegada no mercado internacional, a aceitação em Hollywood, preconceito e muito mais. Confira:

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Como você começou a atuar?

Eu comecei a me conectar muito [com esse mundo] através da minha mãe. Sempre gostei muito de atuação, sempre fiz teatrinho na escola, mas quando eu era muito pequena minha mãe era assistente de direção de comerciais e ela trabalhava muito, então eu vivia indo pra set de filmagens. Eu saia do colégio e o Lucas, o motorista da TVC, uma das produtoras mais antigas de São Paulo, buscava eu e minha irmã e nos levava para o set. Eu cresci no camarim, no meio do set, sentada no video assist, vendo cabos, luzes, câmeras... Isso sempre me fascinou muito - ainda mais as pessoas que estavam na frente [das câmeras]. Fora isso, eu gostava muito da optativa de teatro na escola. Foi uma coisa meio paralela, é engraçado que a atuação sempre foi muito ligada a set de filmagem. Aí com esse processo eu comecei - acho que fiz meu primeiro comercial com oito anos de idade, do McDonalds. Eu adorava estar no set. Eu fazia peças na escola e esses pequenos comerciais. Só que minha mãe não me deixava ser agenciada, ela queria que eu fosse tentando aos poucos, me virando. Eu já conhecia todo mundo, os produtores de elenco, eu comecei a fazer testes e pegar vários comerciais. Eu adorava estar ali, era super faladora... Foi assim que eu conheci o Fernando Meirelles. Depois de três comerciais que fizemos juntos, ele me chamou para fazer o teste de Cidade de Deus com os meninos e eu passei. Depois do filme eu entrei na faculdade, fiz comunicação das artes do corpo durante dois anos, fiz Cidade Baixa e aí me joguei! [risos] Aí começou!

Você já pensou em trabalhar como diretora ou seu foco sempre foi ser atriz?

Meu foco sempre foi ser atriz, mas eu sempre gostei muito dos bastidores. Então eu sempre pensava que se não desse certo como atriz, eu já tinha um plano B. [risos] A gente sempre tem, independente de ser nas artes ou não, um segundo plano - e o meu sempre seria atrás das câmeras. Mas hoje em dia, óbvio, eu tenho muita vontade. Eu gosto de produzir, tenho uma produtora chamada Los Bragas através da qual a gente produz várias coisas legais - inclusive Latitudes, que eu atuei com o Daniel de Oliveira. A gente está produzindo agora um para a HBO sobre o bailarino Thiago Soares que o Felipe Braga está dirigindo; e eu dirigi uma série documental com o Neymar [em parceria] com o YouTube, mas é uma coisa que está em segundo plano. Meu maior foco é atuar, mas se alguma coisa que eu goste aparecer ao longo da minha jornada, talvez eu me jogue - até porque eu vejo grandes amigos meus dirigindo, como o Diego Luna, o Wagner [Moura] vai dirigir o primeiro longa dele sobre o Marighella... É inspirador.

Você tem interesse em trabalhar em novelas e projetos para emissoras nacionais?

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Eu tenho! Principalmente agora, depois de fazer a série. Foi uma experiência bem interessante de fazer um personagem que está pulsante, que ainda está em construção e na novela existe isso. Acho que é um desafio para o ator nadar em mundos diferentes, no desconhecido, você sempre cresce e aprende com isso. Então a novela acho que seria isso pra mim e mais ainda depois da série. A única questão que dificultaria são as datas, porque se [Rainha do Sul] tiver segunda temporada, eu tenho que estar lá durante cinco meses. Mas fazer participações especiais ou primeira etapa me dão muita vontade, sim. Talvez até uma série...

O Brasil cada vez mais se encontra nesse caminho de produzir séries com um formato mais americano, dando continuidade aos projetos que já existem, encomendando produções como O Negócio para a terceira, quarta temporada. Você acha que existiu um problema nessa evolução da TV brasileira?

Acho que não teve muito problema, sinto que foi um pouco a maneira que nos adaptamos. A TV brasileira tem uma tradição muito grande de fazer novela, que é um modo diferente de fazer entretenimento, aí as coisas vão se transformando no tempo delas. Até as séries americanas ainda estão se transformando e um bom exemplo é o USA Network, que começou a mudar a programação deles há pouquíssimo tempo e Mr. Robot foi a primeira aposta, Colony foi a segunda, agora vem A Rainha do Sul... Tudo ainda está em mudança, têm vários atores de cinema fazendo séries, que também estão recebendo muitos investimentos, produções da Netflix, por exemplo, que são praticamente filmes - dá pra ver 12 episódios de uma vez só -, acho que o nosso processo foi no nosso tempo, de entender [como tudo isso funciona]. Também existe uma questão de roteiro, de adaptar a maneira de contar a história, de como escrever esse roteiro. Mas agora estamos cada vez mais nos igualando, nos infiltrando [no mercado], criando histórias que não sejam só para o nosso público, mas coisas que a gente também possa exportar - assim como Capadócia, do México, também passou aqui; assim como Rainha do Sul, que também vai passar aqui! [risos]

É um projeto que o povo brasileiro pode se relacionar, mesmo não sendo ambientado aqui. A cultura latina é muito nossa...

É! E uma coisa interessante é que a protagonista é uma mulher forte. Cada vez mais eu quero falar do protagonismo feminino, de como a gente tem que discutir sobre isso e trazer isso à tona. Falta tanta personagem feminina protagonista que não sejam personagens "femininas", que não sejam "escritos para mulheres", mas sim seres humanos. [Teresa Mendoza] poderia facilmente ser interpretada por um homem - e normalmente é -, então ter a chance de fazer uma personagem como essa é muito legal. É um desafio para uma atriz, mas ela é um ser humano. É a jornada de uma pessoa - mas ela é mulher ao invés de ser homem. Não sei como o público vai reagir, mas cabe muito A Rainha do Sul vir para o Brasil por isso.

Como você chegou nos EUA? Mesmo estando mais focada lá, você ainda faz bastante coisa aqui no Brasil...

Eu sou muito brasileira. Amo os Estados Unidos e tenho vários amigos, acabei criando uma vida lá e sou eternamente grata a isso porque é uma indústria complicada de se entrar, mas eu sou super brasileira. Amo o nosso cinema, amo a nossa cultura - tanto que eu tenho uma casa aqui. Sempre que alguém me pergunta se eu moro nos EUA é complicado, porque eu fico lá e cá. Recentemente estava lá porque estava filmando em Dalas, mas faz quase três meses que eu to aqui, então eu fico um pouco entre esses dois universos.

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A porta se abriu por causa do Cidade de Deus, que foi um projeto muito especial que acabou atingindo vários países no mundo - e isso abriu portas pra eu participar de projetos lá [nos Estados Unidos]. Pra quem ama cinema, todas as oportunidades eram maravilhosas e eu quis entrar. Mas isso não anula [as minhas participações aqui]. As coisas foram acontecendo e eu acabei fazendo mais projetos lá, mas isso não quer dizer que eu esteja focada só lá - eu até to querendo muito que as pessoas lembrem de mim para os projetos. As vezes eu acho que as pessoas nem me chamam porque acham que eu não vou estar disponível e é totalmente o contrário! Eu quero muito que lembrem de mim e me chamem porque quero muito fazer projetos aqui.

Quando estava entrando na indústria dos EUA você chegou a enfrentar algum tipo de preconceito com sua nacionalidade, sotaque, você teve que mudar alguma coisa ou não?

Nunca. Graças a Deus eu nunca senti isso e eu até a tive a sorte de pegar personagens que não tinham sido escritos para um latino, mas sim porque [os produtores] gostaram do meu teste. Foi um caminho meio diferente - acho que [a personagem que eu interpretei em] O Resgate de Órgãos era [originalmente] inglesa e loira e eu sou o exato oposto! [risos] E [no caso] de Eu Sou a Lenda, já era um papel mais aberto. Mas eu nunca senti preconceito, eu inclusive senti um acolhimento muito grande pelo desejo também de colocar os latinos na tela.

O que você acha de uma pessoa de outra nacionalidade interpretar um brasileiro mesmo que haja brasileiros disponíveis para viver aquele papel?

Acho que isso é muito controverso... Por exemplo o Wagner [Moura] fazendo o Pablo Escobar. O trabalho dele é maravilhoso, ele é um ator super completo e dedicado e interpreta esse papel maravilhosamente bem. Então eu sinto que cada personagem vai ter seu ator, independente de onde ele é. Você vê o Al Pacino fazendo Scarface - e ele é americano. Poderia, claro, ser um cubano, mas ao mesmo tempo ele é um super ator e foi [a escolha certa] para aquele personagem. Acho que o caso do Wagner foi isso também; é lógico que teve toda a coisa do "porque não um colombiano", já existiram outros Pablos colombianos... Até no meu caso [isso se aplica] podia ser uma mexicana - eu mesmo, antes de aceitar fazer a personagem, questionei a escolha, mas depois eu pensei melhor. Eu sou atriz, amo essa personagem, eu li esse livro há oito anos, há oito anos eu tenho ela no meu coração... Eu vou fazer! É um sonho, é um desejo meu como atriz, como artista, de viver esse coração.

O Brasil está passando por um momento político complicado e isso está de certa forma afetando a cultura do país. O que você acha que isso pode significar para a nossa indústria de entretenimento?

Eu acho que a gente está passando por um momento muito difícil e doloroso. Todo processo de transformação é muito complicado, mas acho que é importante as pessoas estarem debatendo. Quando a população fica em silêncio é porque está conivente e vai sofrer as consequências disso, então o fato das pessoas estarem olhando para a ferida, debatendo a ferida e batalhando por um país melhor, isso é positivo. A gente vê muitos países que estão em silêncio e acabam sofrendo muito com as consequências disso. Por mais doloroso que seja, a gente precisa olhar, discutir e debater mais do que tudo. É triste, mas eu tenho certeza absoluta que só vai sair coisa positiva disso, por mais complicado que seja.

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Focando um pouco em Rainha do Sul, como você se envolveu no projeto? Te ligaram diretamente?

Foi muito interessante, porque eu li o livro há oito anos. Aí depois desse tempo todo, tocou meu telefone e eles me falaram sobre esse projeto. Eu tava filmando no Mississippi um filme que se chama O Duelo com o Woody Harrelson e o Liam Hemsworth que ainda vai lançar... Eu pensava que aquilo não era possível! Eles me ligarem oito anos depois que eu me apaixonei por essa personagem... Foi meio que um convite mesmo, direto pra mim. Eu quase pedi pra fazer teste! [risos] Mas a minha conexão com o livro, a familiariarização com a personagem, já tem quase dez anos. [...] Mesmo eles tendo adaptado um pouco o livro pra recriar essa jornada dela, as características da Teresa, eu tentei muito honrar o livro.

Tem muita gente comparando Rainha do Sul a Narcos, dizendo que a série é a "versão feminina" do programa da Netflix. Você acha isso bom ou ruim?

Acho que tudo é valioso quando você traz público para a sua série. Existem tantas séries disponíveis hoje em dia que vira uma loucura, então tudo aquilo que traz público para [ver] o projeto, é muito legal. E o fato do protagonismo feminino - eu gosto muito de bater nessa tecla. É muito legal ter uma mulher como protagonista em um papel que geralmente - e normalmente - é interpretado por homens. Então se o público [de Narcos] vier [assistir à nossa série], eu vou ficar super feliz! E o interessante também é que a diferença que existe entre o nosso projeto e os outros programas sobre drogas é que a gente não segue a cocaína, a gente segue a jornada dessa personagem para sobreviver, pragmática, buscando o caminho dela sem se vitimizar.

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