Séries e TV

Crítica

Love - 2ª Temporada | Crítica

Série de Judd Apatow busca amadurecimento na sua segunda temporada

14.03.2017, às 12H49.
Atualizada em 14.03.2017, ÀS 14H02

Não é difícil reconhecer um filme do produtor, roteirista e diretor Judd ApatowSua mente criativa funciona dentro de uma espécie de “crônica do humor minimalista”, que sempre inclui aqueles clássicos da comédia de homenzinho: piadas bêbadas, escatologia, muitas citações a filmes de ação, games, maconha e uma espécie de reverência a tudo que é socialmente transgressor. É muito comum nas obras de Apatow, que haja um constante conflito entre os personagens “boêmios” e os personagens “responsáveis”, para que ambos, em algum momento, encontrem equilíbrio entre um lado e outro.

A primeira temporada da série Love – produzida para a Netflix – logo lembra de uma das maiores bilheterias do diretor, a comédia Ligeiramente Grávidos (2007), em que Seth Rogen Katherine Heigl vem um casal que transa casualmente e acaba surpreendido pela inesperada gravidez dela. É como se Love invertesse as polaridades e ao invés do “menino-problema” com “garota-responsável”, tivéssemos o oposto disso. A turma de Rogen no longa de 2007 tem seus viciados em cinema e em maconha vivendo sem lenço e sem documento, enquanto a personagem de Heigl aparece como uma mulher muito mais preocupada com o futuro. Love, nas devidas proporções, repete parte dessa dinâmica.

É como se Apatow quisesse sempre recortar em duas partes distintas a natureza do americano caucasiano regular. Em algum ponto da vida eles conhecem a “rebeldia”, o desafio ao “sistema”, apenas para que mais para frente, percebam que amadurecer é preciso para que a vida não seja uma constante frustração. Seus personagens estão sempre na zona confortável dos conflitos existenciais dos brancos, heterossexuais e de classe média, com pais ou amigos que sempre podem vir ao socorro dos que ainda não conseguiram um emprego aos 30. Trata-se sempre de um retrato de uma juventude – ou do fim de uma suposta juventude – que resolve seu tédio com sexo e entorpecentes, até que a necessidade de crescer bata na porta.

Love Me

Love faz pensar que Judd anda numa busca pelo entendimento do que é o amor, essencialmente. Casado com a atriz Leslie Mann, o diretor provavelmente se viu seduzido pela ideia de colocar sua identidade criativa por uma perspectiva romântica que geralmente não se revela sem cinismo em seus filmes. Love tem esse título já com uma certa ironia, mas a “história de amor” entre Gus (Paul Rust, também roteirista e cocriador) e Mickey (Gillian Jacobs) não é diferente de nenhuma outra proposta pela obra do seu criador. As dinâmicas entre o “transgressor” e o “comportado” são seu carro-chefe na maioria dos casos e por estarmos falando de uma série de TV, o tempo para se contar uma história com essas perspectivas é que lança sob esse legado uma expectativa diferente.

A história é a mais simples: Gus e Mickey se conhecem por acaso e mesmo que ele seja um nerd e ela uma “porra-louca”, os dois se apaixonam. Porém, vivendo nesse mundo onde para ser cool você precisa ser cínico, eles rejeitam estabelecer títulos ou declarações que os aproxime da ideia de monogamia burguesa. A primeira temporada é cheia do estilo Apatow de ser, com Gus e seus amigos estranhos que fumam maconha o tempo todo em meio a diálogos quase herméticos (se não fosse pelas boas e constantes referências pop) e Mickey entorpecida olhando para o mundo com tédio, se autodestruindo. As mesmas piadas se repetem constantemente e a sensação que fica é de que estamos vendo o mesmo longa-metragem de sempre, dividido em 10 capítulos.

A segunda temporada, contudo, começa a desenhar um planejamento que vai além da simples piada recorrente. Os roteiros privilegiam um panorama mais completo dos protagonistas e incutir neles um vislumbre de autocrítica: embora a autodestruição de Mickey seja mais evidente por causa das drogas e tudo mais, Gus também tem seus demônios emocionais que o tornam perigosamente condescendente. É aquela velha história do “artista de classe média”, que acha que tudo que é tradicional é entediante ou ridículo. A base do primeiro ano foi estabelecer isso e a base do segundo foi perguntar-se de verdade se algumas das convenções de uma relação não acabam existindo a favor dela.

Tudo o núcleo do trabalho de Gus (na série de TV Wichita) - que ajudou muito o primeiro ano a sair do lugar comum - perdeu força nessa segunda temporada, o que foi uma perda sentida e lamentada. Mas, apesar de ainda fazer episódios inteiros sobre os diálogos entre os protagonistas, os roteiros investiram mais em construção de tensão, evitando quebras de expectativas ao obrigar-se a fazer piadas urgentes. Apatow se preocupou mais em construir uma dramaturgia em torno de sua proposta e isso se refletiu na condução da trama. Gus e Mickey começam a admitir aos poucos que para se ferirem menos, precisam admitir o estabelecimento de alguns “rótulos”. Mesmo para o cinismo de Apatow, tradições são necessárias à preservação do romance e da sanidade.

No meio de tudo isso, aqueles coadjuvantes excêntricos e irresponsáveis de sempre, um pouco de crítica à indústria cinematográfica-televisiva (e ao usar a própria filha para viver a estrela teen da série Wichita, Apatow reforça isso), formas estranhas de homenagear o cinema e uma boa trilha sonora. Love não vai revolucionar a TV, mas sua lição de amadurecimento é relevante. Nem toda transgressão é liberdade e nem todo sentimentalismo é burro. Às vezes a paz vem justamente da admissão de que amar é querer para si, só para si, mesmo que por pouco tempo. 

Nota do Crítico
Bom

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