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Crítica

Narcos - 3ª Temporada | Crítica

Sem Pablo Escobar, Narcos deixa mais claro seu objetivo narrativo e entrega sua melhor temporada

01.09.2017, às 17H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

A cada passagem de temporada, cresce o desafio de Narcos em provar para o público que não deixará a qualidade da série cair. Se do primeiro para o segundo ano muita gente ficou apreensiva de ver a narrativa de Pablo Escobar (Wagner Moura) prolongar-se além do que deveria, do segundo para o terceiro a dúvida a questão era justamente se a atração sobreviveria sem a presença marcante do narcotraficante. Ainda que o peso do brasileiro seja grande, a Netflix teve coragem ao mostrar que ele era apenas um agente da história, mas não a personificação dela, renovando a série por mais dois anos na sequência da fatídica cena da morte no telhado. Em seu terceiro ano, a série se reinventou com maestria mexendo as peças que já existiam no tabuleiro e dando destaque para narrativas que cresceram nas sombras até abocanhar o centro das atenções.

É muito interessante ver o jogo de cadeiras radical que aconteceu, de certa forma, em todas as esferas da série. Logo no primeiro episódio, o público se depara com o agente Javier Peña (Pedro Pascal) ocupando sozinho os holofotes antes divididos com Boyd Holbrook, que interpretou Steve Murphy nas duas últimas temporadas e não retornou para o terceiro ano. Em paralelo a isso, o papel de destaque de Pablo Escobar passa a ser ocupado por quatro pessoas: os irmãos Gilberto (Damián Alcázar) e Miguel Rodríguez Orejuela (Francisco Denis), Chepe Santacruz Londoño (Pêpê Rapazote) e Pacho Herrera (Alberto Ammann). Se Pablo buscava poder dentro de uma lógica populista, o Cartel de Cáli usa o sistema para conseguir legitimar sua influência - o culto à personalidade abre espaço para que girem as engrenagens corporativistas.

É quase metalinguístico que os quatro rostos do Cartel de Cáli dividam a posição de destaque em um ano que se empenha em tranformas o tráfico de drogas em uma máquina, em detrimento à anterior figura messiânica de Escobar. Wagner Moura já havia alertado que a série é um retrato da ineficácia da guerra contra as drogas e não a telebiografia de um ou outro traficante. A série personifica o demônio do narcotráfico em uma pessoa só durante os mais de 15 anos retratados nas duas primeiras temporadas e, no novo ano, espalha essa função entre quatro indivíduos. O motivo disso é óbvio: cada vez mais a entidade imaterial do narcotráfico é diluída, fazendo com que o público comece a ruminar dentro de si a noção de que o rosto através do qual ela se manifesta não é fundamentalmente relevante para sua existência.

O que a série faz é mostrar que o DEA falhou ao aplicar na prática a ideia de que exterminando o narcotraficante, exterminaria-se o narcotráfico. A lógica simplista - compartilhada por muita gente - é de fácil compreensão, mas, na prática não funciona por ignorar toda a complexidade do surgimento e da manutenção desse sistema. No terceiro ano, a ideia de que isso é um negócio com braços longos e finos começa a ficar sólida e, da forma mais didática possível, Narcos dá uma aula para quem enxerga a guerra às drogas dentro de uma lógica binária. Todo o investimento aplicado no combate a Escobar nas duas primeiras temporadas soa como alguém que correu para o lado errado de um labirinto e, quando olhou para trás, viu que o monstro que se tentava combater não só continua vivo, mas evoluiu como um vírus, sofrendo mutações que o tornaram mais resistente e inteligente.

O dedo de José Padilha, que segue na produção executiva da série, é indefectível - apesar dele, assim como aconteceu no segundo ano, não ter assinado a direção de nenhum dos dez episódios. Andi Baiz, Gabriel Ripstein, Joseph Wladyka e Fernando Coimbra, a equipe tradicional de diretores de Narcos, são os responsáveis pelo excelente trabalho junto aos vários outros profissionais técnicos na missão de manter a qualidade na hora de dar vida ao roteiro, criando ótimas sequências, carregadas de uma beleza escura, ordinária e marginal através das cores, dos cenários, de boas atuações e de movimentos de câmera acertados. Tecnicamente, Narcos é impecável.

Quem começar a ver a terceira temporada em dúvida sobre a qualidade do material que virá a seguir, terá o questionamento abafado logo no fim do primeiro episódio. Os dez minutos finais do capítulo exibem uma das cenas mais interessantes de toda a série, tanto do ponto de vista narrativo quanto do estético, protagonizada por Pacho e embalada pela canção “Dos gardenias” - o personagem lidera várias outras cenas épicas, como a abertura do sétimo episódio. Outro personagem em destaque é Jorge Salcedo, vivido por Matias Varela, uma mistura de homem da segurança com James Bond do narcotráfico, que começa a temporada tentando se desvincular das atividades clandestinas, mas a cada passo para trás que tenta dar é empurrado outros dez para a frente. Desde o começo sua tragédia é anunciada e isso, somado ao bom trabalho de Varela, faz com que o coração do espectador salte repetidas vezes.

É interessante ver como a história de Peña é levada na trama, mostrando suas mãos atadas e como isso acaba motivando suas ações cirúrgicas tanto para si quanto para a Colômbia. É interessante ver Peña sendo a única pessoa capaz de disputar o protagonismo com a persona abstrata do tráfico de drogas na hora de escrever a história graças à intensidade certa aplicada por Pedro Pascal na condução do personagem. A narrativa da terceira temporada é inteligente, envolvente e a série não oferece momentos tediosos: é seguramente o melhor ano até agora. É impossível assistir a série sem lembrar da máxima clássica de Mark Twain, de que “a verdade é mais estranha que a ficção, porque a ficção é obrigada a ater-se às possibilidades e a verdade não". Por mais que a trajetória do quarto ano esteja documentada em registros históricos, Narcos já provou ser capaz de desafiar a imaginação do público na hora de contar histórias.

Nota do Crítico
Excelente!

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