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Crítica

Orphan Black - 4ª Temporada | Crítica

Orphan Black para de fazer “experiências” e revela um quarto ano ainda mais seguro de sua narrativa

23.06.2016, às 12H58.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Toda série de ficção científica passa por alguns problemas de comunicação com o público. Termos científicos e liberdades poéticas se misturam numa salada de referências que pode ficar complicada de acompanhar em alguns casos. E em quase todos os exemplos, a dinâmica é a mesma: os detalhes da mitologia começam a aparecer lentamente no primeiro ano e no segundo, novos elementos atravessam o ritmo e começam a se distanciar do espectador. Não há nada mais eficiente para provocar o desinteresse do interlocutor do que parar de se preocupar se ele está ou não entendendo o que você quer dizer.

Foi exatamente o que aconteceu com a segunda temporada de Orphan Black, que resolveu jogar tantas informações no meio da trama, que um enfraquecimento de credibilidade foi inevitável. Dyad, Neolution, Proletheans... Nada daquilo parecia se enquadrar perfeitamente nos episódios e os roteiristas falharam em distribuir as expectativas. Na terceira temporada, eles precisaram usar metade do número total de semanas para arrumarem a casa, apararem arestas, e aproveitarem o tempo que ainda restava para suavizarem a narrativa e se concentrarem em um ponto de cada vez, reaproximando a história do espectador. 

Com os erros assumidos e corrigidos, os criadores do show tiveram um ano pra planejar como fazer uma quarta temporada segura, que não se deixasse seduzir completamente pela liberdade do gênero, evitando a verborragia desnecessária. Assim, focando-se no que tinha começado lá no primeiro ano, a série foi emblemática na sua condução e recuperou elementos que tinham funcionado, voltando até mesmo a eventos de antes do piloto, na intenção de abduzir os fãs que ainda resistiam. E deu certo.. Para aqueles que ficaram, a quarta temporada de Orphan Black foi, sem dúvida, a mais bem sucedida do show. 

Neolution 

Um dos primeiros elementos da mitologia que ficou esmagado pela avalanche de informações das temporadas seguintes à primeira, foi a organização chamada Neolution, que apesar de ter raízes em teorias consolidadas sobre evolução, não é parte da nossa realidade. Assim que superou os Proletheans, a primeira coisa que a série fez foi estabelecer que os dois grupos de clones pertenciam a mesma instituição. LEDA (com os clones femininos para pesquisa) e Castor (com os clones masculinos para fins militares) não só eram “filhos” da Neolution, como também vinham do mesmo material genético: Kendall Malone (Allison Steadman), a mãe da mãe adotiva de Sarah (Tatiana Maslany).

Com esses dois pilares estabelecidos e bem colocados, Graeme Manson e John Fawcett, os criadores do show, seguraram os exageros criativos e voltaram ao passado para aproveitar melhor o presente. Começaram a temporada com um imenso flashback que trouxe Beth de volta, e foram costurando a trama desse ano sem nunca perder de vista esses dois elementos. Neolution foi reapresentada como uma corrente ideológica e científica sobre evolução, mas os roteiros abordavam a questão da forma mais humana possível, falando sobre tópicos vigentes no nosso mundo, como a “autotransformação”, a “escolha evolucional individual” e a manipulação genética. 

A cura para a doença que mata lentamente os clones femininos também voltou ao centro da ação e a corrida pela posse de Kendall Malone conduziu o show para uma primeira metade de temporada bastante intensa. A mulher não só tinha material genético que proporcionasse a cura, como também poderia servir para reiniciar o projeto dos clones. Jogar com essas duas informações era importante, porque os dois lados pareciam dependentes demais dessa personagem. Quando colocamos em perspectiva a forma como os roteiros escolheram resolver o plot, dá pra reconhecer mais ainda a coragem e a ousadia dos envolvidos nessas decisões. 

Clone Club 

Do ponto de vista humano, a quarta temporada não perdeu o fôlego readquirido no ano passado. Tatiana Maslanynão demonstrou cansaço, embora a temporada tenha trazido Beth de volta e ainda somado mais dois nomes ao clube: M.K, uma hacker paranoica que ajudou Beth a fazer as descobertas pré-sarah e Krystall, que voltou como prometido e serviu para reiterar o quanto Tatiana é a melhor atriz de todas as séries dramáticas no ar. Krystall tem uma energia completamente nova e é absurdamente carismática e adorável. Enquanto compreendíamos completamente as razões para que Sarah quisesse preservá-la da verdade, torcíamos para que tudo viesse à tona logo, para que a manicure adentrasse de uma vez o clã das sestras

O rodízio de atenções diminuiu o tempo de tela de Helena (que protagonizou muito do terceiro ano), mas ainda assim ela foi estrategicamente colocada em pontos de tensão que lhe caíram como uma luva. A ligação com Allison e Doonie (Kristian Brunn) é uma das mais improváveis, mas funciona perfeitamente. O casal, aliás, seguiu com sua relação perigosa, cômica e peculiarmente sexual. É sempre fascinante perceber como Tatiana construiu uma química diferente e eficiente com cada um de seus grandes parceiros de cena. Com Kristian ao viver Allison e Helena, com Jordan Gavaris ao viver Sarah, com Evelyne Brochu ao viver Cosima e com Rosemary Dunsmore ao viver Rachel.  

E foi com essa segurança narrativa, enfim, que a quarta temporada chegou ao fim sem cometer absolutamente nenhum deslize. Até a arriscada decisão de trazer Delphine de volta – e que converge com a perigosa tendência de flexibilizar o conceito da morte na dramaturgia – foi situada no Season Finale de forma correta e emocional. Sobretudo porque significa muito ver como a relação dela com Cosima se tornou um dos pontos centrais das expectativa do público. Depois de enxugar sua abordagem científica, reforçar os laços afetivos e flertar com o humor, o programa se fortaleceu e o grande impacto provocado pela finale só foi possível por causa disso.

Então, logo depois, a BBC América fez o anúncio derradeiro de que a quinta temporada será a última. A notícia foi recebida com entusiasmo pela maioria dos fãs e parece ser o movimento mais sensato para proteger esse bom momento de segurança, sabendo que só haverá mais dez episódios para amarrar todas as pontas e explorar as últimas possibilidades. Esperamos por pelo menos mais alguns clones novos nesse último ciclo e uma leva tão boa de episódios quanto essa que vimos agora. Orphan Black, cheia de personagens femininos poderosos, com uma atriz insuperável e uma inteligência notória, tem seu lugar no hall de produções que vieram para provocar a teledramaturgia e reiterar um discurso de igualdade cada dia mais importante e mais necessário.

Nota do Crítico
Excelente!

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