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Crítica

Sense 8: A Christmas Special | Crítica

Depois de um longo hiato, Sense8 retorna para um especial de Natal que não avança na história, mas demonstra a grande ligação emocional que tem com seu público

22.12.2016, às 10H54.
Atualizada em 22.12.2016, ÀS 12H05

Não é incomum que o mundo de Sense8 seja visto com desconfiança por aqueles que não conseguiram se conectar com sua trama. Essa é uma série sobre conectar-se, definitivamente, em todas as instâncias. Porém, por definição, conectar-se é explorar lentamente as duas pontas dessa ligação e exatamente por conta disso, toda a narrativa do primeiro ano foi considerada por muitos lenta e cansativa. As Wachowskis têm um ponto de vista: não pode haver nenhuma conexão entre os personagens ou entre eles o público, sem que aquelas vidas fictícias sejam aprofundadas em níveis seguros. Para quem conseguiu atravessar esse campo de preparação, Sense8 se tornou uma experiência de contemplação do outro e por isso mesmo, bastante emocional.

O tempo passou rápido, então, vale uma menção à premissa: a série conta a história de oito pessoas ao redor do mundo que passam, subitamente, a viver uma experiência de conexão entre si. Essa conexão não é meramente intuitiva, contudo. Ainda que uma pequena mitologia que envolve organizações secretas e perseguições se forme no decorrer dos episódios, a dramaturgia do show se baseia na metáfora para as relações interpessoais. A conexão que afeta esses oito personagens é absoluta. Trata-se não só de sentir, mas de estar de lugar do outro, estar diante do outro, de uma maneira que oscila entre os presencial e o metafísico, de uma maneira elegante que a série passou a dominar muito bem.

Passado o primeiro ano e todo o burburinho que a série causou, vieram os problemas. Além de uma logística complicada (os criadores fazem questão de filmar a série em países diferentes), problemas com o ator Aml Ameen levaram até seu afastamento depois que várias cenas já tinham sido feitas. Assim, a Netflix adiou o lançamento do segundo ano para 2017, mas prometeu aos fãs um especial de Natal que traria todo o universo dos sensates de volta. A Christmas Special (também chamado de "Benção de Ganesha" na sessão especial para convidados da CCXP 2016) cumpriu em duas horas de duração aquilo a que se propunha: fazer o público relembrar os personagens e suas motivações, trazer a emoção do espectador à tona e preparar o terreno para os episódios inéditos, em maio do ano que vem.

Making Sense

Sense8 ficou conhecida por dois detalhes de sua gênese: o sexo e a música. Não é uma questão reducionista, mas é como se a série já tivesse conseguido formar sua “mitologia paralela”. Quando o especial de natal começa, todos os personagens já aparecem juntos numa linda sequência de mergulhos nus. É o primeiro sinal de que os criadores  sabem e entendem onde estão situadas as expectativas do público. Apesar da trama central estar sob a atenção dos espectadores, a catarse musical e a sensualidade são partes essenciais da natureza do programa. Sabiamente, o roteiro não lutou contra isso e sem poder dar passos muito largos na direção da resolução do mistério, privilegiou o carinho que o público tem por esses detalhes e firmou o desenrolar do especial nesse propósito.

Nada de grandes reviravoltas, nada de grandes eventos. A Christmas Special é todo uma celebração emocional. Se fosse parte da temporada regular seria um primeiro episódio eficiente, situaria bem o público na história depois de tanto tempo fora do ar. Também teria menos tempo e menos gorduras. Mas, suas duas horas de duração também acabaram por proporcionar ao episódio a chance de ser detalhista nesse investimento emocional. O especial começa envolvendo o espectador de sensualidade, hedonismo e luxúria. Logo em seguida, adentra o terreno da delicadeza, da comoção, usando para isso as infalíveis sequências que reúnem todos os sensates em propósitos fraternais. Orgia, festas de fim de ano, aniversários... Cada um desses momentos construídos para manipular as emoções do espectador. Reencontros, cenas de grande suporte emocional, um humor até escrachado e canções arrebatadoras estrategicamente situadas, fazem o trabalho de catarse com muita competência. "Hallellujah" pode ser uma canção que já tocou em mil programas (veja aqui), mas Sense8 ainda consegue encontrar uma maneira especial de fazer tudo funcionar.

Sensates

Para alguns personagens o momento em que a história recomeça é decisivo, para outros nem tanto. As mudanças mais consideráveis ocorrem com Lito (Miguel Àngel Silvestre), que tem a revelação de sua homossexualidade como ponto de partida e com Sun (Doona Bae), que acabou sendo presa por causa do irmão. Os outros estão se movimentando sim, mas dentro da mesma esfera que já conhecemos. Nomi (Jamie Clayton) continua fugindo, Capheus (Toby Onwumere) ainda às voltas com seu ônibus, Wolfgang (Max Riemelt) vivendo seus conflitos relacionados ao legado de sua família e na crescente paixão por Kala (Tina Desai), que precisa lidar com a evidência cada vez mais constante de que não ama o homem que lhe foi destinado pelos costumes. Will (Brian J. Smith) e Riley (Tuppence Middleton) estão juntos, ainda afetados pela perseguição de Whispers (Terrence Mann), mas sem nenhum avanço significativo nesse plot. Não se trata mesmo de trama, mas de envolvimento.

Ser uma “série de metáfora” não é fácil, mas Sense8 faz esse trabalho muito bem. Ela lida com emoções e isso quase sempre leva ao vislumbre do clichê. Atuações choradas e texto simplório fazem parte da receita. Entretanto, tudo é perdoado quando a série consegue convencer de seus propósitos lúdicos. Tudo sobre Sense8 diz respeito ao quanto é especial a capacidade do homem de ter empatia, ainda que a empatia seja um movimento que flerta com a extinção a cada década. Cada vez que uma sequência intensa se desenvolve com sensates ocupando um o lugar do outro, a série está tornando palpável, presencial, a sensação que temos quando vivemos grandes experiências e desejamos – ou mesmo sentimos – pessoas especiais ao nosso lado.

Viver experiências é dividir com o outro. Negar-se ao interlocutor é travar a chance de evolução, de mudança. Toda vez que você se coloca no lugar de alguém, sai disso com um pedaço dessa pessoa e deixa com ela um pedaço seu. Não é surpreendente que Sense8 sofra certa rejeição... Vivemos numa era de distanciamento, em que pessoas que se conectam com outras são chamadas de “especiais”, de “diferentes”, onde elas se situam como transgressoras. E tudo isso numa ficção que escancara a verdade: queremos cada vez mais ironizar e cada vez menos sentir.

*O especial de Natal será disponibilizado na Netflix em 23 de dezembro.

Nota do Crítico
Ótimo

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