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A Era da Inocência

Depois de As Invasões Bárbaras, Denys Arcand volta a resmungar contra a modernidade

28.02.2008, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H33

Crítico também é gente e pode mudar de idéia. Hoje eu não repetiria o texto absurdamente hiperbólico de As Invasões Bárbaras que escrevi em 2003. Por trás da emotiva história da doença de Rémy e da sua revisão das utopias dos anos 60 há um olhar umbiguista, fechado para tudo aquilo que representa o moderno, o novo - a começar pelo retrato intransigente do filho financista de Rémy.

Faço o mea culpa porque não pretendo cometer o mesmo erro (pelo menos não o mesmo exagero) com A Era da Inocência (L'Âge des Ténèbres, 2007). O primeiro filme do cineasta franco-canadense Denys Arcand desde 2003 deixa de lado tudo o que As Invasões Bárbaras tinha de emocionante e fica só com o que sobrou de rancor provinciano.

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A história começa com um sonho de Jean-Marc LeBlanc (Marc Labrèche) em que ele é representado por um cavaleiro jovem, cantando numa espécie de ambiente medieval e enlaçando-se com uma dama de beleza helênica (Diane Kruger, de Tróia). Quando acorda, Jean-Marc percebe que retornou à sua vidinha em Québec: emprego miserável como ouvidor municipal, casado com uma corretora workaholic e pai de duas meninas que não largam os seus iPods.

Para comentar a realidade da província francófona canadense, Arcand troca o cenário hospitalar de As Invasões Bárbaras pela burocracia da ouvidoria. Jean-Marc ouve as reclamações mais variadas dos munícipes, como a de um homem que perdeu a perna em um acidente de carro e terá que pagar o estrago feito em um poste, mesmo sendo a vítima do atropelamento. Jean-Marc diz sempre que não pode fazer nada contra as leis locais... E ao fim do expediente volta desconsolado para casa, onde poderá mais uma vez sonhar com suas mulheres de faz-de-conta.

O componente humorístico de A Era da Inocência começa a ficar interessante na medida em que Jean-Marc passa a sonhar acordado, na rua, no trabalho, em casa. Em cada um desses sonhos o personagem vira escritor famoso, rei, carrasco, samurai, marajá. O que não muda - além da insaciedade sexual de Jean-Marc e suas mulheres - é o fastio com a realidade. De Datena de Québec, Denys Arcand passa a ser o Fellini de Québec.

A realidade é uma porcaria? É, sim. O mundo está condenado? Certamente. O problema dos filmes de Denys Arcand não é diagnosticar essa tragédia a que todos assistimos diariamente - essa é a parte fácil.

O problema de A Era da Inocência (e de Invasões Bárbaras) é sugerir que a saída para esses problemas está numa espécie de regressão, de retiro espiritual, de um protecionismo ideológico. A solução que Jean-Marc arruma ao fim do filme é boa para o mundo ou é boa apenas para ele? O problema são os iPods de suas filhas ou o problema é o próprio Jean-Marc?

A máxima sartreana de que o inferno são os outros - que Arcand ameaçou derrubar ao apresentar protagonistas passíveis de erro em O Declínio do Império Americano, e não vitimizados como o sonhador Jean-Marc - é a síntese de A Era da Inocência.

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