Filmes

Crítica

Adeus, Primeiro Amor / O Pai dos Meus Filhos | Crítica

A aproximação de dois filmes da diretora Mia Hansen-Løve permite entender a imagem que ela faz das cidades e, especialmente, de Paris

17.10.2014, às 14H49.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 12H06

Por uma feliz coincidência do circuito, o público pode conhecer nos cinemas daqui dois filmes de uma das diretores mais promissoras do cinema francês, Mia Hansen-Løve. Uma coincidência breve - Adeus, Primeiro Amor resiste em poucas salas e O Pai dos Meus Filhos fica apenas uma semana no CineSESC de São Paulo, lançamento em parceria com a Cinemateca da Embaixada da França - mas que permite analisar os dois filmes como expressões de uma mesma visão de mundo.

O Pai dos Meus Filhos, segundo longa de Hansen-Løve, acompanha o produtor de cinema Grégoire (Louis-Do de Lencquesaing), casado com uma italiana e pai de três filhas. No início, parece o típico workaholic que carrega dois celulares e trabalha mesmo nas horas de folga, tentando equilibrar as muitas demandas do ofício (cineastas excêntricos, orçamentos estourados) e da família (esposa carente, primogênita adolescente aborrecida). Aos poucos, percebemos o preço que a vida tem cobrado de Grégoire - especialmente depois que o produtor comete um ato desesperado de fuga.

Embora trate de um tema mais leve, Adeus, Primeiro Amor, terceiro longa da cineasta, lida com uma passagem tão marcante quanto a crise de meia idade de Grégoire: o fim do primeiro namoro. Camille (Lola Créton) acredita que continuará correspondendo-se com seu namorado, Sullivan (Sebastian Urzendowsky), depois que ele embarcar para uma viagem pela América Latina. Quando a comunicação entre os dois cessa, porém, depois de meses de cartas esparsas, e Camille se vê sozinha, ela encontra refúgio em um curso de arquitetura - que apresenta à garota uma outra maneira de ver as coisas.

Nos dois filmes, Paris não representa, inicialmente, um ponto de interesse. Camille espera na cama enquanto Sullivan busca na farmácia uma pílula do dia seguinte, no início de Adeus, Primeiro Amor - todo o espaço com o qual ela tem contato está condicionado à presença e à intimidade do namorado. Quando os dois decidem celebrar os últimos momentos juntos, antes da viagem de Sullivan, deixam a cidade e vão para uma casa de campo. Da mesma forma, Grégoire em O Pai dos Meus Filhos mora em Paris mas também transita mais à vontade pelo campo - quando visita os sets de seus filmes ou quando folga com a família.

Colocados os filmes lado a lado, fica mais clara uma impressão que já se percebia olhando-os individualmente: essa recusa inicial do espaço urbano representa uma vontade inconsciente dos personagens de fabular um espaço "virgem", como se adotar o campo, uma tela em branco, permitisse usufruir de fato uma vida idealizada. Em Adeus, Primeiro Amor, quando chegam à casa de campo, Camille e Sullivan escolhem dormir não no quarto dos adultos, mas nos das crianças - a viagem ao campo, afinal, é uma ficção da eterna inocência, votos para que esse primeiro amor nunca acabe. As ficções de Grégoire são mais literais (afinal, ele vive de contar histórias) e frequentemente tentam reencenar o passado: a filmagem de um épico de época, o resgate de um velho diretor ou uma visita a ruínas dos templários com as filhas. Logo mais descobriremos que Grégoire tem segredos que envolvem, justamente, seu passado.

Obviamente, essa tentativa de substituir o convívio coletivo (e o presente) por uma idealização logo se desfaz. Paris representa o convívio; o retorno à cidade é doloroso para os personagens de Hansen-Løve, mas esse é um pesar que parece inerente à cidade, como se Paris cobrasse um preço de quem, depois de ter suas ilusões perdidas, agora pode enxergar o mundo sem falsas promessas. A cidade filmada pela cineasta não tem a mítica da velha Cidade Luz porque, afinal, é a desmitificação que interessa a Hansen-Løve (como também interessa a Olivier Assayas, mentor e hoje namorado da diretora).

Como diz Camille a seu professor, justificando seu interesse pela arquitetura, "os lugares me influenciaram e agora preciso compreendê-los". Essa frase parece ditar o cinema da diretora. No mundo todo, só Nova York compete com Paris no quesito influência, mas a imagem que se criou da capital francesa em décadas de cinema não condiz com a realidade de Paris hoje (o fato de "Que Será, Será" tocar ao final de O Pai dos Meus Filhos faz irônica menção a esse histórico cinematográfico). Por isso a cidade crua e funcional de Mia Hansen-Løve nos parece tão interessante. É um lugar com seus encantos, como qualquer metrópole, mas esses encantos não são dados, eles são conquistados em decorrência de uma experiência - e cada um tem a sua.

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