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Documentários sobre o Brasil produzidos por estrangeiros resvalam sempre naquele velho problema da superficialidade: ou se apegam aos clichês exportados e moldam a realidade através deles ou deturpam os fatos para piorar os registros. Raramente há um meio termo. Mas Favela rising, festejado documentário da dupla Jeff Zimbalist e Matt Mochary, vai um pouco além dessa problemática.
Em um primeiro momento, para um espectador desavisado, o filme pode parecer fruto desvirtuado daquela glamourização da favela causada pelo boom mundial de Cidade de Deus. As imagens iniciais citam o dicionário americano, explicando ao seu público alvo o que quer dizer favela, sobre imagens alteradas dos morros do Rio de Janeiro. A manipulação digital faz aquele ambiente parecer um cenário digno de Matrix, incomodando quem sabe o que se passa por ali. Logo se pensa que vem por aí um documentário fantasioso e maniqueísta, pintando as favelas como um medonho antro de criminalidade ou como um destino exótico para turistas.
Mas a impressão dura pouco, e o filme demonstra uma crueza ímpar. O trecho inicial contextualiza a audiência, explicando didaticamente como é a rotina na favela, utilizando-se das palavras de um narrador anônimo e de imagens captadas in loco. A tela dá pouca folga ao imaginário externo, retratando com habilidade o embate entre traficantes e policiais e a vida da população, que sobrevive no meio do caminho. Até mesmo quando comenta sobre moradores assassinados, a câmera não vira o foco - pelo contrário, utiliza-se de detalhes que raramente se vê nos jornais noturnos.
A virada acontece exatamente quando se vê mais corpos na tela, e se entende do que o filme veio falar. O narrador até então inominado é Anderson Sá, um dos coordenadores do grupo cultural Afro Reggae no morro de Vigário Geral. Anderson é apresentado como um jovem da favela alegórico ao clichê da rendição. Típico moleque que trabalha para o tráfico, seu ponto de virada pessoal acontece logo após a chacina de Vigário em 1993, quando um grupo de policiais subiu o morro para vingar quatro colegas mortos por traficantes, assassinando 21 moradores no caminho, incluindo aí pessoas bem próximas ao narrador. Dessa capitulação vem o seu envolvimento com o então recém-formado AR.
A partir daí, a narrativa de Favela rising se confunde entre a história pessoal de Anderson e o crescimento do grupo para além do quintal, entre percalços e dramas individuais. Além de todo o trabalho de conscientização típico da juventude local, Anderson é vocalista da banda Afro Reggae, fruto da oficina de percussão, miolo da ação social. Ao longo do filme, ele apresenta o projeto - hoje já desmembrado para outras comunidades além-Vigário - e disseca a realidade do morro.
Apesar de esbarrar na pieguice e no quase sensacionalismo, Favela rising é um documentário esclarecedor, mapeando a realidade de uma parcela da população carioca que vive no alto, mas à margem. Útil não só aos estrangeiros que acham que Buenos Aires é a capital brasileira, mas aos tupiniquins que têm tão pouco contato com esse mundo para além do Globo repórter.
Ano: 2005
País: EUA, Brasil
Classificação: 12 anos
Duração: 80 min
Direção: Matt Mochary, Jeff Zimbalist
Elenco: Andre Luis Azevedo, Jose Junior, Michele Moraes, Anderson Sa, Zuenir Ventura