É de espantar a violência visual e a crueldade com que o diretor japonês, ex-comediante, Takeshi Kitano trata suas personagens. Mas não cabe aqui a comparação - que se faz habitual e erroneamente - com Quentin Tarantino. Enquanto o norte-americano se interessa pela banalidade de diálogos ostensivos, Kitano guarda no silêncio a sua ferramenta. Não se trata de nenhum exercício de sadismo ou de apologia da sangüinolência, mas de um olhar amargo sobre a vida, o amor e a cumplicidade.
Hana-bi - Fogos de artifício (1997) e Brother - A Máfia japonesa em Los Angeles (2000) são os dois exemplos mais representativos da técnica kitaniana, na qual a rigidez do código de honra dos assassinos da Yakuza é estendida a toda à sociedade reprimida do Japão. Sociedade que, desde o tempo dos samurais, dependente de regras sociais, incapaz de responder à tentação da rebeldia coletiva. No entanto, justamente o recente Dolls (2002), o único da trinca que não se concentra nas relações ferozes da Yakuza, o cineasta diz ser seu filme mais brutal - pela violência majoritariamente psicológica, não visual como nos trabalhos anteriores.
E as intenções de Kitano ficam evidentes logo na seqüência inicial. Uma apresentação de teatro de marionetes aquece o espectador e dá indícios da conduta do filme. Bonecos sem expressão transmitem agonia muda, e à coreografia das cordas do destino não cabe contorno. Logo são introduzidos os dois protagonistas. Matsumoto (Hidetoshi Nishijima) e Sawako (Miho Kanno) caminham presos por uma grossa corda vermelha. Não conversam, não se tocam, não param - apenas vagam num cenário idílico que lembra o lirismo de Akira Kurosawa (1910-1998).
Corta para o passado. Matsumoto, prestes a se casar com a filha de seu patrão, foge da igreja ao descobrir que Sawako, sua ex-namorada, acaba de tentar suicídio devido ao rompimento repentino. A moça não morreu, mas entrou num transe vegetativo. Matsumoto decide fugir com ela, cuidar de seu verdadeiro amor. Com o tempo, até se acostuma com a falta de comunicação. Todavia, para evitar que Sawako sofra algum acidente, se amarra à mulher. E começa assim a andança sem rumo.
Quando toda a situação já está assimilada pelo espectador, ao episódio do casal, somam-se mais dois, periféricos. No primeiro, um veterano da Yakuza decide procurar o grande amor da adolescência, abandonada sem justificativas em nome da carreira profissional. No segundo, o fã cego de uma estrela da música pop consegue se encontrar com sua musa, que se afastou do showbiz após um acidente que a deformou.
Às vezes, Kitano parece não confiar no próprio taco, e peca por uma certa reiteração constante de idéias já construídas anteriormente - como nas imagens do casal amarrado e na repetição da metáfora do teatro de bonecos. Mas o desfecho dos três casos - pancada que chega justamente no momento de maior ternura - comprova a afirmação de Kitano: Dolls é de uma brutalidade mais do que eficiente. Segundo o filme, lento mas feroz, todo comprometimento pressupõe a privação da vida. Ou seja, grosso modo, é melhor se conformar. Pois o amor tem muito mais de sacrifício do que de realização.