Imagine o que aconteceria se Gabriel Garcia Marques perdesse seu talento e resolvesse escrever novelas da Globo, daquelas exageradas, passadas no interior do nordeste brasileiro, com fotografia inspirada em Pedro Almodóvar. É basicamente esse o resultado de A Virgem Negra (La Virgen Negra), filme de estréia do venezuelano Ignacio Castillo Cottin.
Trata-se de uma fábula kitsch que abusa do realismo fantástico. O roteiro - premiado na Venezula - é até decente: trata do que aconteceria se da noite para o dia todos os desejos dos fiéis do pequeno e idílico Pueblo de Negros fossem atendidos.
Quando uma mulher mal-amada pede ajuda à bruxa da cidade para recuperar os anseios do marido, ela é orientada a substituir a estátua da Virgem Maria da igreja por uma Virgem Negra. Troca efetuada, tudo começa a dar certo aos fiéis - mesmo os desejos mais negativos e vingativos. Qual a oração mais poderosa então? A de quem pede uma benção ou a de quem quer o mal ao outro? A discussão de fundo - superstição contra fé - é interessante.
O problema do filme, saturado e contrastado, carregado e irreal em diversos momentos, é principalmente a condução de atores. Todas as vezes que a tal bruxa (Angélica Aragón) aparece na telona, a impressão é a de que estamos vendo o novo filme da Xuxa.
Cottin, egresso do teatro, também parece demasiadamente fascinado com a possibilidade de experimentar quadros. Abusa assim da liberdade que o cinema dá. Seus planos são intrusivos, inquietos - assim como a música, que incomoda do início ao fim.
E se a comparação com Almodóvar do início pareceu exagerada, Ignacio Castillo Cottin contratou Carmen Maura, uma das musas do cineasta, para o papel de fundadora da cidade. Declaração mais clara (e equivocada) não há.