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Mostra de cinema de SP: <i>Dez minutos mais velho: o cello</i>

Mostra de cinema de SP: <i>Dez minutos mais velho: o cello</i>

16.10.2003, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 02H07

Em parceria com os produtores Nicholas McClintock, Nigel Thomas e Ulrich Felsberg, seu parceiro habitual, o cineasta Wim Wenders idealizou a série de curtas Dez minutos mais velho. Nela, quinze diretores de renome têm dez minutos cada para tratar um tema comum: a relatividade do tempo. Até agora são dois filmes da série. O primeiro, Dez minutos mais velho: o trompete (Ten minutes older: the trumpet, 2002) reuniu os diretores Aki Kaurismäki, Victor Eríce, Werner Herzog, Jim Jarmusch, Spike Lee, Chen Kaige e o próprio Wenders.

O segundo, Dez minutos mais velho: o cello (Ten minutes older: the cello, 2002), junta oito cineastas: Bernardo Bertolucci, Mike Figgis, Jirí Menzel, István Szabó, Claire Denis, Volker Schlöndorff, Michael Radford e Jean-Luc Godard. Vale frisar, novamente, que não se trata de uma homenagem ao Jazz. O instrumento do título se destaca apenas na trilha sonora de transição entre um curta-metragem e outro. Aqui, na verdade, impera a heterogeneidade - ainda maior do que em O trompete. Tem de ficção científica (Radford) a realismo fantástico (Schlöndorff), de experimentalismo (Godard e Figgis) a humor negro (Szabó), de acadêmica análise social (Claire) a registros emotivos (Menzel).

Bernardo Bertolucci



No limite entre o didatismo e a profundidade poética, o curta do italiano periga ser o melhor de toda a série, exatamente por ter o resultado mais eficiente na missão de deixar questionamentos na cabeça do espectador sobre o tal significado do tempo. A trama de Histoire deaux, (ou História da Água), transfere uma parábola hindu para a Itália. Narada (Amit Arroz) chega à península juntamente com os seus irmãos indianos, mas se perde numa plantação. Ali, encontra uma jovem local com uma motoneta quebrada. Narada conserta o veículo. Daí até se apaixonar pela italiana, se casar, ter filhos e ganhar os primeiros cabelos brancos, vai um pulo. Mas Narada não esperava por uma surpresa que, há anos, ele já havia esquecido.

Mike Figgis

Quem assistiu ao longa Timecode, de 2000, sabe do arrojo que o britânico é capaz: divide a tela em quatro partes e narra, em tempo real, num único take, quatro tramas paralelas e cruzadas. O curta About time 2 repete o formato, mas passa o nó definitivo na cabeça do espectador ao misturar três linhas temporais. Ou, nas próprias palavras de Figgis, explorar o passado e o futuro através do presente. Num sobrado, cada cômodo hospeda uma fase da vida. No quarto, uma criança brinca de "Hitler e Churchill" com aviões de plástico. Na sala, uma bela jovem é seduzida por um rapaz. Em outro quarto, dois velhos vivem com uma televisão no lugar das cabeças. E um adulto trafega entre os cômodos. Demora até o espectador perceber que se tratam das mesmas pessoas.

Jirí Menzel

One moment, o curta do diretor tcheco, não propõe grandes vôos criativos. Trata-se de uma homenagem mais que emotiva, com direito a trilha sonora melosa, ao ator Rudolf Hrusínský (1946-1994), seu conterrâneo e um dos mais importantes atores do cinema tcheco, com mais de 120 projetos no currículo. Os dois trabalharam juntos em nove filmes, de 1968 a 1991. Aqui, no melhor estilo "Oscar pelo conjunto da obra", Menzel cria um mosaico com imagens de arquivo, de diversos dos papéis vividos por Hrusínský. Se falta ao espectador o conhecimento dos filmes mostrados, o humor respeitoso do cineasta serve muito bem para mostrar que o tempo castiga até as celebridades mais ilustres.

István Szabó

Devido à sua inspiração sombria, Ten minutes after não se parece com nenhum outro curta da série. Dez minutos é o tempo que separa a preparação de uma festa de casamento e uma acusação de assassinato. Uma mulher (Ildikó Bánsági) arruma a mesa de jantar enquanto assiste à sua aula de inglês pela televisão. Pouco depois, chega carregado o seu marido (Gábor Máté), bêbado. Ele mal consegue ficar em pé, mas arruma forças para discutir com a esposa. O cineasta húngaro parte de um clichê - a passagem do tempo que destrói matrimônios - para ridicularizar a situação. Sobra até para o bolo, transformado em arma no combate. Uma tragédia só.

Claire Denis

A única cineasta no meio de uma seleção machista. Em Vers Nancy (ou Para Nancy) a parisiense Claire debate justamente a presença de estrangeiros num ambiente inóspito - mas no lugar da guerra dos sexos, enfoca a questão racial e étnica na França. Não se trata de ficção. Dentro de uma cabine de trem, o filósofo Jean-Luc Nancy responde aos questionamentos de uma aluna. O tom é professoral, acadêmico. Ele discorre sobre a natureza estranha do estrangeiro, comprovada semanticamente, e a reação do meio ao "intruso". Nesse conflito comum na Europa (invariavelmente agressivo), o estrangeiro, ou imigrante, só conseguiria se adaptar quando anulasse toda a sua prévia bagagem cultural. Um tema intrigante visto com inteligência, mas que encontra dificuldades para se sustentar dentro da proposta da série.

Volker Schlöndorff

Quando posturas e leituras começam a se repetir, o alemão surge com uma proposta, no mínimo, curiosa. The Enlightenment (ou A Iluminação) questiona o significado do tempo sem intelectualismos, e resulta brilhante. Segundo o narrador do curta, não existiria passado, nem futuro, apenas um presente que tende, assim, à eternidade. O que seria o passado nesse mundo fugaz? Apenas as lembranças que nos ajudam a calcular, compreender e antever novos acontecimentos, neste caso, o futuro. Parece complicado? Pois a breve história de uma jovem alemã grávida, que apresenta o namorado africano à família de gordos loiros e amigos skinheads, vista pela ótica de um mosquito, dá uma aula bem prática sobre o tema.

Michael Radford

O diretor indiano, criado na Inglaterra, conhece bem a ficção científica. Precisamente em 1984 dirigiu uma adaptação para o cinema do romance 1984, clássico do gênero, de George Orwell (1903-1950). Aqui, no curta Addicted to the stars (ou Viciado em estrelas), parte de uma boa idéia, igualmente apocalíptica, medianamente aproveitada. Um astronauta (Daniel Craig) retorna à Terra depois de uma viagem de oitenta anos-luz. Ao desembarcar num ambiente insípido, corre para visitar o seu filho. A cena, assustadora, é capaz de desencorajar qualquer aspirante a cadete da NASA. À beira da morte, o filho aparenta ter quarenta anos mais que o pai. Com cara de velho senil, fala como uma criança com saudades. Mas o astronauta nem sentiu o tempo passar. A viagem nas estrelas envelheceu-o apenas dez minutos.

Jean-Luc Godard

O gênio francês encerra o filme em tom de cerimônia, como se tudo fosse apenas um aquecimento para a sua entrada mestra. Pena que Dans le noir de temps (ou Na escuridão dos tempos) seja tão auto-indulgente, conduzido com mão pesadíssima. Nos seus dez minutos, Godard cria dez pequenos filmes de um minuto sobre, por exemplo, o fim do amor e o fim da sabedoria. No caldo, mistura Mozart, Shakespeare, Holocausto, Virginia Wolff, Eisenstein e, claro, a sua musa Anna Karina. Alguns momentos de genialidade - como o rebuliço maquinal do pano branco onde se projetam filmes (para representar o fim do cinema) - não evitam que o conjunto fique às raias do hermético.

Um final conturbado, para um conjunto ora genial, ora desperdiçado. E melancólico, como o som do violoncelo.

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