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Na Guerra - Festival do Rio 2008

Bertrand Bonello oferece busca sensorial extrema em novo filme

09.10.2008, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H40

O metalinguístico Na Guerra (De la Guerre, 2008) começa com uma epígrafe de um dos mais deificados cantores dos EUA: "Se eu não fosse Bob Dylan, eu acharia que Bob Dylan tem muitas respostas", diz o próprio. Nesta era de idolatria e falsa modéstia em que vivemos, é grande a tentação de se levar a sério demais, e o primeiro a se cobrar é o próprio artista. Pelo menos no caso do diretor do filme, Bertrand Bonello, de O Pornógrafo (2001) e Tirésia (2003).

O protagonista da história é o cineasta Bertrand (Mathieu Amalric), que está procurando locações para seu próximo filme, e acaba em uma loja funerária. Bertrand passa a noite lá, estudando o ambiente, e, por acidente, quando "testava" um dos caixões, acaba preso até de manhã. Comicidade à parte, Bertrand - que dizia não conseguir se "sentir" presente mesmo estando presente em qualquer ocasião - vê aquilo como algo único. Experimentar o misto de paz e excitação de passar uma noite num caixão muda Bertrand, e ele parte então em busca de reproduzir essa sensação, ao ar livre. O filme que ele começava a fazer vai ficar para depois.

Na Guerra 2

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Na Guerra 3

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É aquela questão: todo cineasta está sempre procurando traduzir idéias em experiências de imersão, e Na Guerra trata basicamente dessa busca, utópica talvez, pelo sensorial extremo, pelo "sublime", nas palavras do personagem Bertrand. Em Tirésia, seu filme anterior (que inclusive assombra o personagem em pesadelo autoreferencial de Na Guerra), Bonello se deixa levar pelo discurso e não oferece imagens capazes de sustentar esse discurso. Aqui as imagens são mais vigorosas, pelo simples fato de o filme discutir essas imagens.

Quais são as puras, sublimes? Em Paris, por exemplo, a namorada de Bertrand trabalha em uma loja de discos, com a vitrine forrada de capas; ali está sintetizado o mundo de excesso de informação da metrópole, cuja ensurdecedora cacofonia o cineasta experimenta na calçada, mal podendo falar direito ao celular. Já em seu retiro, Bertrand acha a simplicidade do movimento, seja um exércício físico ou o ato de tocar guitarra. Mas esse primitivismo tem um preço, e daí vem o nome do filme - a entrega às sensações de Bertrand vira uma guerra literal, com fuzis e trincheiras, contra o resto do mundo.

É aí que Bonello insere um segundo questionamento, uma autocrítica, que remete à epígrafe inicial: onde Bertrand vai parar depois de experimentar a imersão total? Porque essa entrega também tem algo de aterrorizante, de insano, como Bonello bem resume na imagem dos músculos dos corpos expostos no museu do retiro. Não seria o distanciamento crítico outro elemento fundamental na criação artística? (Distanciamento mesmo em relação ao próprio cinema, com Bonello brincando de Mal dos Trópicos e Apocalypse Now no desfecho.)

No começo de Na Guerra, o cineasta Bertrand diz que seu personagem no filme dentro do filme não sabe se é arrogante ou humilde. Pois só o distanciamento leva à humildade.

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