Screamers - Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Em 2006, depois de 11 anos na estrada, a banda System of a Down entrou numa série de conflitos internos que culminaram, em janeiro de 2007, na decisão de interromper as atividades do grupo. O vocalista Serj Tankian, então, partiria para o seu primeiro disco solo, com lançamento previsto para outubro de 2007. Saber isso antes de assistir ao documentário Screamers, que acompanhou a banda entre 2005 e 2006, dá a sessão uma dimensão insuspeita.

Libelo contra o genocídio armênio, o filme da jornalista Carla Garapedian trata o SoaD da maneira como a banda se oferece ao público: como um quarteto de metal alternativo montado por descendentes de armênios para denunciar ao mundo abusos sóciopolíticos, particularmente o genocídio que a Turquia impôs ao seu povo entre 1915 e 1923. O grupo de Tankian existe em função dessa missão, é o que nos diz o documentário, e qualquer assunto fora dessa alçada - por exemplo, a desgastada relação entre os integrantes do SoaD - é sublimada.

Daí que se tornam significativas cenas que passariam despercebidas, como o fato de os integrantes darem entrevistas à documentarista individualmente ou chegarem aos shows separados. Como Carla Garapedian não tem formação de cinema e o seu intento é fazer um filme-denúncia, Screamers está cheio de planos genéricos rodados apenas para "cobrir" os depoimentos dos entrevistados. Algumas dessas filmagens-caução, como planos banais do interior do ônibus da tour, porém, passam a nos dizer algo na medida em que sabemos do momento que o System of a Down passava enquanto banda de metal com 11 anos nas costas. Um ônibus silencioso, quase mortuário.

De instrumento de convencimento, obra criada para levar ao mundo a mensagem de socorro do legado armênio, Screamers se torna, então, um exemplo de como é fácil um documentário-panfleto deixar escapar a realidade diante de suas lentes, quando não adulterá-la. O próprio conceito de documentário pressupõe abrir os olhos para o que acontece à sua volta, e o caso de Screamers é emblemático do impasse que o gênero atravessa hoje, dividido entre as máquinas retóricas de Al Gores e Michael Moores e alguns poucos filmes que não partem atrás de objetos que ratifiquem discursos prontos.

Como manifesto, Screamers será válido enquanto durar a negação do holocausto armênio por parte da Turquia. Como retrato de uma banda dividida, é um documento interessante por tudo aquilo que não diz e não vê.