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CCXP | Don Rosa se emociona ao falar da paixão pela Família Pato

Quadrinista mostrou a diferença entre o Pato Donald de Carl Barks e o Pato Donald da Disney

07.12.2014, às 14H09.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

Keno Don Rosa subiu ao palquinho do Auditório Ultra na tarde de sábado da CCXP - Comic Con Experience e, na primeira pergunta do mediador André Conti, já deixou clara sua posição sobre patos, Disney e o mundo: "Eu não tenho nada a ver com esse Pato Donald que dizem que está fazendo 80 anos. O meu Donald não tem 80 anos. Minha versão não é a da Disney e eu nunca trabalhei para a Disney."

Rosa é conhecido por duas emoções ferrenhas: a paixão pelos quadrinhos da Família Pato criados por Carl Barks e o ódio ao que ele chama de "sistema Disney", que dá pouco reconhecimento aos autores. E disse que uma de suas missões é fazer o mundo entender quem é o Pato Donald de Barks e quem é o Pato Donald da Disney.

Don-Rosa

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"Aquele Donald dos desenhos animados da Disney era um ator que fazia qualquer coisa que viesse. Era o carinha que eles colocavam pra contracenar com o Tico e o Teco", explicou Rosa. "Aí, em 1942, uma editora que tinha a licença da Disney chamou um escritor e desenhista free-lancer, Carl Barks, para fazer histórias em quadrinhos com esse ator. E Barks descobriu que não tinha como. Por isso ele criou uma cidade, Patópolis, uma família, todos os coadjuvantes. Sempre que eu dou entrevista ou participo de um painel, minha missão é dizer ao mundo que tudo isso não veio da Disney, mas de free-lancers como Barks e eu."

Rosa ressaltou que os quadrinhos de Barks estão entre os mais vendidos na histórias das HQs nos EUA: eram três milhões de exemplares por mês, nas décadas de 1940 e 1950. A partir daí, porém, começou um declínio em toda a indústria de quadrinhos que fez os gibis Disney serem licenciados para editoras cada vez menores, até chegarem às vendas de três mil exemplares por mês. Nas últimas décadas é raro ver quadrinhos com personagens Disney nos EUA.

Em contrapartida, Donald continua amado na Europa - e Rosa começou a produzir histórias para editoras europeias ainda nos anos 1980. "Na Finlândia, na Noruega, na Itália, os personagens da Disney não são só best-sellers de quadrinhos, eles são best sellers de tudo. Na Noruega o Pato Donal tem gibi semanal. Eles ainda estão na banca! Dá até vergonha de lembrar dos Estados Unidos", ele contou, chegando até o fato de suas histórias com os patos serem republicadas hoje nos EUA em edições de luxo pela Fantagraphics, voltadas para colecionador.

"O mais estranho de tudo é que nos EUA ninguém me conhece. Meus vizinhos não sabem quem eu sou, nem sabem que existia gibi do Pato Donald. Aí eu vou pra Finlândia, por exemplo, e apareço na capa do jornal, apareço no noticiário no horário nobre. Isso é muito bizarro. Faz 25 anos que eu acho que eles estão tirando sarro da minha cara", lembrou Rosa.

"Na Europa, os personagens do Carl Barks são tudo. Barks não viajou muito. Teve outros artistas, como os do Chile, que também não puderam viajar para conhecer os fãs da Europa. Eu fui o primeiro que pude ir lá e ver os fãs expressarem o amor por mim. E vivi os vinte anos seguinte só desse amor dos fãs." Rosa já estava de olhos marejados. "Imaginem eu, apaixonado por esses gibis, virando escritor e desenhista deles meio por acidente, aí me torno o artista mais famoso do personagem que eu mais gosto... Dá pra entender que isso não parece real... Era um sonho de infância..." Engasgado com as palavras, Rosa deixou uma lágrima escorrer. A plateia se levantou para bater palmas.

Recomposto, ele começou a responder perguntas da plateia. Pato Donald tinha um aspecto político, reacionário, como dizem alguns autores? "Isso é uma baboseira. Isso é um mito que veio de uns autores, acho que do Chile, que se basearam numas traduções que eram claramente enviesadas", respondeu Rosa em referência do livro Para Ler o Pato Donald, publicado nos anos 1970. "Outro mito que corre por aí: que o Pato Donald foi proibido na Finlândia porque não usa calça. Isso nunca aconteceu."

Como é respeitar tanto as histórias de Barks a ponto de cuidar as datas, a cronologia da família Pato? "Eu faço isso porque eu sou fã. Vocês sabem que eu não me considero quadrinista profissional. Pra mim escrever esses personagens é mágico. Aliás, eu não ganho royalties pelas minhas histórias e com os tempos comecei a ver um lado positivo em não ganhar royalties. Porque se eu ganhasse eu ia me preocupar se a história ia vender. E aí eu ia começar a fazer histórias que pudessem virar videogame, ia fazer história com futebol só pra agradar fã europeu e brasileiro. As garras da ganância iam entrar no meu processo criativo. Como eu não ganho uma moedinha a mais, venda gibi ou não, eu tenho liberdade para contar a história que eu quero."

O que ele acha de DuckTales, o famoso desenho animado que levou a família Pato à TV? "Se você procurar na internet, vai encontrar lá que 'Don Rosa odeia DuckTales'. E pra mim aquilo não é Barks, não é de verdade. Aí, quando me convidam para convenções nos EUA, as pessoas vêm na minha mesa e dizem 'ah, DuckTales!', pois elas não conhecem os quadrinhos, nunca ouviram falar do Tio Patinhas fora desse desenho animado. Eu tive que explicar tantas vezes que não é DuckTales que fiz uma plaquinha para colocar na mesa, dizendo 'Desculpe, não é DuckTales'."

Qual personagem você gostaria de ser? "Huguinho, Zezinho ou Luizinho. Porque eles são os que têm a cabeça no lugar, os mais adultos da turma."

Rosa terminou o painel falando sobre seu abandon das HQs - ele não desenha gibis com os patos desde 2006 - e seu desencanto com o "sistema Disney". "Eu sabia que não ia ganhar royalties, sabia dos meus contratos e tudo bem. Sabia que não ia ficar rico. Mas depois de dez anos viajando à Europa, comecei a ouvir nas entrevistas que 'deve ser legal ser tão rico, viajar pelo mundo'. Foi aí que me dei conta do que achavam de mim. Não me incomodava eu não ganhar dinheiro, mas me incomodava os europeus me acharem multimilionário. Eles nem cogitam que eu não tenha participação nos lucros."

Quando várias editoras pelo mundo começaram a lançar HQs destacando sua autoria, Rosa tomou uma atitude jurídica: registrou seu nome em países europeus e da América do Sul e passou a exigir um valor pela utilização de seu nome. "Too mundo pode publicar meus gibis quando bem entender, que o acerto é com a Disney. Mas para usar o nome Don Rosa, tem que me pagar e me dar controle total. No caso do Brasil, meu advogado teve que falar com o editor daqui e pedir que ele fizesse umas edições melhores. Mas o editor não quis falar comigo e preferiu publicar sem meu nome. Tudo bem, ele faz o que quiser."

Pergunta do mediador: os patos de Carl Barks são patos, mas têm problemas de gente. Além disso, você faz muita pesquisa histórica. A realidade pros patos é melhor que a ficção? Rosa: "Sempre me perguntam: por que eu coloco patinhos falantes em cenários históricos? E eu sempre responde: 'mas eles não são patos! Eles são pessoas!'"

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