Billy Wilder dirigiu quase trinta filmes e escreveu cerca de setenta. Assim como os diretores que mais admirava (e com quem trabalhou), Howard Hawks e Ernest Lubitsch, passeou por todos os gêneros cinematográficos, fez comédias, filmes de guerra, suspenses e dramas. Pouca coisa, fora os mais clássicos, estava disponível em DVD ou mesmo VHS no Brasil, mas agora com duas novas caixas e uma série de edições especiais, já dá para pensar em bolar aos poucos e fora da ordem cronológica uma lista completa de seus filmes.
Para começar, dois dos seus clássicos:
Pacto de sangue
(Double Indemnity, 1944)
Junto de O falcão maltês (John Huston, 1941) e The big sleep (Howard Hawks, 1945), Pacto de sangue é provavelmente o filme noir que melhor reproduz o espírito desse ramo das histórias policiais nas telas. Mesmo não contando com um detetive casca-grossa como Sam Spade ou Philip Marlowe ambos vividos por Humphrey Bogart nos filmes de Hawks e Huston , Pacto de sangue ajudou a definir um gênero de cinema cujo impacto visual e o estilo narrativo se espalharam por todos os outros, seja nas infinitas alusões a salas esfumaçadas e femmes fatales, no narrador também infinitamente imitado e até em filmes que se aproveitaram da mesma estrutura em outros gêneros - como Blade Runner - O Caçador de Andróides (ficção-científica) e O Homem que Não Estava Lá (comédia), por exemplo. Baseado em um romance de James M. Cain, o filme foi escrito por Wilder e Raymond Chandler, o autor dos livros do detetive Marlowe.
Para o papel de Phyllis Dietrichson, a loira (casada e fatal) que seduz o agente de seguros vivido por Fred McMurray, Wilder chamou Barbara Stanwyck. Ao ver a peruca que ela usa no filme, escolhida pelo diretor, o chefe de produção teria dito: "Nós contratamos a Barbara Stanwyck e veio o George Washington!".
No filme, Walter Neff se apaixona por uma cliente durante uma visita de trabalho, e ela o convence a assassinar seu marido. Ambos serão beneficiados por uma cláusula conhecida como "indenização em dobro", que prevê o dobro do valor caso a morte do segurado seja acidental. Mas o chefe de Neff na Pacific All-Risk, vivido por Edward G. Robinson, suspeita da viúva, e inicia uma investigação para desmascarar o esquema. O filme, que é baseado num caso real, tem todos os bons cacoetes de Wilder, como humor-negro, a visão cínica de mundo e os diálogos cortantes, e Edward G. Robinson, conhecido pelo papel do mafioso Rico em Alma no Lodo, é dos melhores atores da época.
Segundo a Wikipedia, uma grande seguradora norte-americana exibia Pacto de Sangue aos seus novos funcionários e pedia a eles um relatório do que aprenderam com o filme.
Cena: Abertura, em que o assassino se revela logo após os créditos iniciais, quando se vê a sombra de um homem de muletas se aproximando da tela.
Objeto de cena: peruca da Barbara Stanwick.
Frase: "Sim, eu o matei. Eu o matei pelo dinheiro e por uma mulher e não fiquei nem com o dinheiro e nem com a mulher. Bonito, não é?"
Cinco Covas no Egito
(Five Graves to Cairo, 1943)
Inédito até agora em vídeo e DVD no Brasil, Cinco Covas no Egito é uma pequena obra-prima de Wilder, baseada numa peça do mesmo nome e ambientada durante a Segunda Guerra Mundial. Ao longo de sua carreira, Wilder adaptou inúmeras peças, e era um mestre em explorar os ambientes confinados do teatro dentro da linguagem cinematográfica. Aqui, o soldado inglês John Bramble é deixado para trás depois que o exército britânico perde para a Alemanha no Egito. Ele procura refúgio num hotel no Saara, mas é surpreendido quando os nazistas transformam o local num centro de operações. Pior, o próprio general Rommel, que comandou a ofensiva, irá se hospedar por lá. Obrigado a esconder a identidade, Bramble toma o lugar de um garçom morto, e com a ajuda do gerente do hotel e de uma funcionária, passa a se infiltrar entre os nazistas. Ele então descobre que Rommel tem um plano secreto para o Egito, as tais "cinco covas" do título, que pode mudar o rumo da guerra.
O filme é um misto de suspense e drama, e se passa quase todo no hotel, entre as idas e vindas do espião acidental. Mas como Wilder, com raríssimas exceções, não consegue fazer um filme sem graça, fica evidente mais uma vez o verniz de cinismo e humor-negro da maioria de suas comédias. O resultado disso é que os filmes têm sempre um tom moderno, lidam sem candura com temas polêmicos e nunca se entregam a finais fáceis (ou felizes, muitas vezes). No caso de Cinco covas no Egito, rodado e lançado durante a Guerra (a mãe e a avó de Wilder morreram em Auschwitz), ele consegue ainda escapar da patriotada que rondava o cinema.
Mas o que vale o filme é a atuação de Erich von Stroheim como Rommel, que faz um dos poucos personagens nazistas da época que não é um vilão maníaco e caricatural. Stroheim era um ator e diretor do cinema mudo que ainda trabalharia com Wilder em Crepúsculo dos Deuses, num papel semi-autobiográfico.
Cena: Quando o corpo do verdadeiro Davos é desenterrado dos escombros no meio de um ataque aéreo, tem início uma perseguição entre Bramble e o tenente alemão. A cena termina com uma lanterna caindo no chão e trocando de dono.
Objeto de cena: Bota ortopédica do garçom Davos.
Frase: "Estamos matando os ingleses como moscas! Depois, iremos matar as moscas como os ingleses."
Para saber mais sobre Billy Wilder, leia o excelente ensaio biográfico escrito pelo jornalista Roberto Elísio dos Santos em homenagem ao centenário do cineasta.