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Festival de Berlim 2016 | Midnight Special é comparado a Contatos Imediatos de Terceiro Grau

Novo filme de Jeff Nichols reúne elenco estelar e chama atenção na Alemanha

12.02.2016, às 15H48.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Corpo estranho no arranjo estético de um festival voltado para radicalidades e experimentaçoes, o thriller scifi Midnight Shelter tirou a disputa pelo Festival de Berlim do terreno dos lamentos existenciais e politicos e levou ação, fantasia e paranormalidade para uma telona mais habituada a lágrimas e tragédias morais. O responsável por fazer a capital da Alemanha torcer durante 1h51m de adrenalina para um garotinho com superpoderes escapar de militares e agentes federais foi o diretor americano Jeff Nichols, premiado em Cannes em 2011 por O Abrigo e conhecido no circuito brasileiro pelo sucesso Amor Bandido (2012).

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"A estratégia com a qual trabalho a dramaturgia é me manter fiel a regras de gênero e, neste caso, o filão ao qual me reportava era o de filmes de perseguição, algo que demanda dos personagens disposição para seguir em frente, em nome da sobrevivência, e deixar o que mais houver para trás", disse Nichols ao Omelete na Berlinale, mobilizando uma multidão de repórteres por ser o realizador do filme de maior fôlego comercial ente os candidatos ao Urso de Ouro.

Seu ator-fetiche, Michael Shannon divide cenas com Kirsten Dunst, Adam Driver e Joel Edgerton: todos empenhados em salvar a pele do pequeno Alton (Jaeden Lieberher) e em descobrir do que sua força paranormal é capaz. Ao fim da sessão para os jornalistas estrangeiros, que aplaudiram com ânimo o longa-metragem, ouviam-se analogias entre a narrativa de Nichols e o cult Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg.

"A referência mais presente na construção deste roteiro foi Starman – O Homem das Estrelas, de John Carpenter, do qual eu tentei decalcar um pouco do clima de mistério para além de qualquer alusao mais óbvia (ao espaço) que o título possa sugerir.  O que eu tentei buscar dele foi o senso de mistério, a habilidade de prender o espectador diante de uma trama cujos segredos nem mesmo os protagonistas conhecem. E Spielberg faz isso muito bem em seus filmes no terreno do fantastico, tal como Contatos Imediatos...”, disse Nichols, que sai daqui direto para a finalização de um outro longa: Loving, também com Edgerton e Shannon, sobre racismo nos Estados Unidos nos anos 1950 a partir de uma love story entre um branco e uma negra.

Filmado com uma iluminacão bruxulente, que abusa das sombras para confundir o entendimento do espectador e aproximá-lo da angonia dos personagens, Midnight Special é, de longe, o filme com a maior quantia de astros classe AA de Hollywood em concurso na Berlinale. Em franca ascensão no gosto popular sobretudo depois de ter vivido o General Zod em O Homem de Aço (2013), Shannon parece ter confirmado seu prestígio entre os críticos no papel de Roy, um pai desesperado na luta para resguardar seu filho do Governo dos EUA. As autoridades querem o menino por conta das habilidades paranormais que ele tem (soltar raios dos olhos, gerar chuvas de meteoritos, causar explosões). Roy vai fazer o que puder, com a ajuda do amigo Lucas (Edgerton), para que Alton não seja detido antes de cumprir uma missão a qual ninguém fora ele compreende.

"Eu dirigi atores mirins antes, em Amor Bandido, mas em papéis que valorizavam uma certa ingenuidade da juventude e da infância. Aqui, foi diferente, pois Alton precisava parecer mais adulto do que seus pares", diz o cineasta de 37 anos, considerado hoje uma das maiores promessas da seara de diretores independentes dos EUA, calçado sempre motivações pessoais. "Este enredo surgiu de uma experiência que tive com meu filho. Ele teve uma febre alta e passou muito mal, o que deixou minha mulher e eu desesperados. Foi a partir desse incidente que surgiu o interesse em falar de pessoas no limiar de uma perda".

Num diálogo estreito com a cartilha dos filmes de super-herói, ao mesmo tempo em que presta tributo aos suspenses fantasticos dos anos 1970, como A Fúria (1979), de Brian De PalmaMidnight Special estreia nos EUA no dia 18, cavando um buraco em circuito, neste temporada de Oscar, com a ajuda das resenhas positivas que conseguir em Berlim. Seu diferencial vem dos enquadramentos de precisao cirúrgica no retrato de situções de paranoia, virtude que vem garantindo fama a Nichols e a seu parceiro recorrente: o diretor de fotografia Adam Stone.

"Fizemos a mesma escola de cinema e rodamos cinco longas juntos, num casamento criativo em que entendemos as necessidades estéticas um do outro. Adam tem a habilidade operar a câmera na mão com a exata medida de como seguir o corpo de nossos atores", elogia o cineasta.

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O Curumim do Brasil

Fora da disputa pelo Urso, a Berlinale também apaludiu nesta sexta a projeção do documentário brasileiro Curumim, de Marcos Prado. De estrutura narrativa investigativa, o filme registra o drama do brasileiro Marco Archer, fuzilado na Indonésia em janeiro de 2015, depois de mais de uma década preso por traficar drogas. Sua montagem tensa dribla o fato de já sabermos o destino final do personagem a partir de uma abordagem panorâmica de seu dia a dia no cárcere e de seu passado de glórias em asas deltas e em praias do mundo todo. Mais do que ser a crônica de uma morte anunciada, o novo longa do diretor de Estamira (2004) é um pleito contra a pena capital.

"Marco merecia ser punido pelo mal que fez para quem vendeu drogas? Bom, esse é um debate maior, sobre livre arbitrio. De fato, ele cometeu um crime e isto requer uma punição. Mas por que a morte? Isto apenas gera mais barbarie", refletia Prado, conhecido em solo alemão por ter sido o produtor da franquia Tropa de Elite.

Causou comoção na Berlinale a cena em que Prado encena a execução de um prisioneiro nos moldes do que houve com Archer. "Esta não foi uma decisao estetizante, para chocar", explica. "Ela foi um meio de gerar reflexão ao mostrar como uma pessoa é fuzilada, o horror que é. Era melhor isso do que reunir os comentários no Facebook da opinião publica no Brasil dizendo ‘Bandido tem mais é que morrer’. O meu desafio era humanizar a figura de Marco. Buscar sua humanidade para além de seus erros e de suas escolhas", disse Prado.

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