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Big Jato | Cláudio Assis é vaiado mas seu filme recebe aplausos no Festival de Brasília

Matheus Nachtergaele faz dois papéis na adaptação ao cinema do livro de Xico Sá

20.09.2015, às 12H44.

Lírico e lúdico a ponto de evocar clássicos de Federico Fellini (sobretudo Amarcord) em sua relação com o tempo, Big Jato, o novo longa-metragem do diretor pernambucano Cláudio Assis, atropelou o 48º Festival de Brasília na noite de sábado, em uma sessão lotada, com uma massa espalhada por degraus e pelo chão do Cine Brasília.

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Iniciado na terça-feira passada, e famoso por sua premiação, que garante, além do troféu Candango, uma polpuda soma em dinheiro aos vencedores de cada categoria, o Festival de Brasília recebeu Assis com vaias ontem, por conta do episódio em que o cineasta foi acusado de fazer comentários machistas num debate de Que Horas Ela Volta? em Recife há duas semanas. Na hora do filme, porém, os humores se inverteram, especialmente graças à interpretação de Matheus Nachtergaele, dividindo-se em dois papéis em Big Jato.

"Eu filmo para mostrar as entranhas da sociedade, porque o meu cinema é da ordem da inquietude, plugado nas contradições", disse Assis ao Omelete horas antes da projeção. "Posso morrer de fome, mas eu só trabalho em imagem em movimento." O filme segue as viagens do caminhão que dá título a Big Jato, inspirado pelo romance homônimo do jornalista Xico Sá, pela paisagem da cidade alegórica de Peixe da Pedra, cenário desenhado no filme na fotografia hipercolorida de Marcelo Durst.

Parceiro de Assis num curta-metragem feito há quase duas décadas, Durst acompanha o cineasta neste empreitada em locações em Vila de Cimbres, Pernambuco. Nachtergaele tenta se reinventar interpretando os irmãos Francisco e Nelson; o primeiro, um caminhoneiro bruto, com paixão pela cachaça, e o segundo, um radialista anarquista. Os dois, cada um à sua maneira, vão contribuir para o processo de amadurecimento do jovem Xico (Rafael Nicácio), filho de Francisco e sobrinho de Nelson, criado, como eles, sob o impacto dos acordes dos Betos, uma banda na moda Beatles, cujo hit é "Let It Lie".

"Esta é a primeira adaptação literária que eu faço e, no livo do Xico Sá, há uma referência forte aos Beatles. Mas o meu orçamento inteiro em Big Jato não seria o bastante para pagar o direito autoral de uma música deles. Aí a gente improvisou, com poesia. Este filme é uma fábula nordestina, que trata da transformação de um jovem poeta", explicou Assis, encarado até agora como favorito em Brasília.

Seu filme dialoga com a obra de Fellini pela maneira como trança sonho e realidade num espaço narrativo imaginário atemporal - meio anos 1970, meio dias de hoje, pela presença do celular e pelas citações ao craque argentino Lionel Messi - e pela fauna de tipos exóticos. O menino Xico cresce entre versos e a vontade de beijar a morena bonita que trabalha numa loja de seu vilarejo, enquanto ajuda o pai a retirar os dejetos das fossas locais. Tudo isso é narrado com a sensualidade habitual de Assis, mas com uma doçura que ele vem depurando desde seu longa anterior: Febre do Rato, de 2011. Em Big Jato, ele esquadrinha um ensaio sobre lealdade, discutindo o preço de nos mantermos leais à família e a ruptura que é optar por ser leal a si mesmo e escolher crescer. E Assis cresceu (como diretor), e como...

Nesta segunda-feira, a competição chega ao fim com Prova de Coragem, drama de vigor indiscutível e de uma beleza plástica atentada pela fotografia de Lauro Escorel, que marca a volta do cineasta paulista Roberto Gervitz, sumido das telonas desde Jogo Subterrâneo (2005). Adaptador de obras literárias marcadas por um olhar sobre a acomodação de velhas feridas, como visto em Feliz Ano Velho (1987), filme que que o consagrou, o cineasta regressa agora pelas páginas do gaúcho Daniel Galera, numa adaptação livre do romance Mãos de Cavalo.

Num exercício de deslizamento da prosa à imagem, onde busca rudimentos e sentimentos do livro, Gervitz promete emocionar Brasília com os dilemas do médico Hermano (interpretado com fervor por Armando Babaioff) diante de escolhas, de lembranças e de uma gravidez que não deseja para seu futuro com a mulher, a artista plástica Adri (Mariana Ximenes, cada vez mais radical em suas escolhas e mais madura em suas atuações). No longa Gervitz opera um processo similar ao de Cláudio Assis em Big Jato ao olhar para o ontem - no fluxo das recordações de Hermano - extraindo dele uma beleza mesmo nas passagens de maior rancor, flertando com o passado numa busca para entender inconsciências nos gestos do protagonista.

Vale ainda um destaque, na seleção de longas, o lirismo avassalador de Para Minha Amada Morta, do curitibano Aly Muritiba, exibido na sexta. Nele, a rotina de um viúvo com seu passado é transformada após a descoberta de uma fita de VHS. Esse achado faz do filme um tratado sobre renúncia e luto. Entre os curtas, merece distinção o mineiro Quintal, de André Novais Oliveira, que constrói um clima sci-fi à la John Carpenter ao acompanhar uma casal de terceira idade (vivido pelos pais do diretor) às voltas com fenômenos ora naturais ora multidimensionais. O já citado Muritiba está em disputa também com um curta: o rascante Tarântula, dirigido a quatro mãos com Marja Calafange, exibido com sucesso no Festival de Veneza, há duas semanas.

Os vencedores do 48º Festival de Gramado serão conhecidos na terça-feira, quando passa, em sessão hors-concours, uma divertida produção brasiliense: Até Que a Casa Caia, de Mauro Giuntini, apoiada no talento (em perene renovação) do ator Marat Descartes.

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