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Comprovado: a experiência de congelamento genético existe na prática e funciona. Brasília 18% é o mais recente exemplo de laboratório que justifica a teoria biológica de que, à la Mel Gibson, é perfeitamente possível entrar num frigorífico e acordar duas décadas depois mantendo-se a idiossincrasia do período jurássico original.
Pois bem. Nelson Pereira dos Santos, que já nos brindou com obras importantes e contemporâneas como Rio 40 Graus, Vidas Secas e Memórias do Cárcere, resolveu desaquecer seu termômetro carioca causticante e nordestino árido pra trazer às telas um compêndio ficcional frívolo sobre a corrupta capital brasileira.
O ponto de partida são os bastidores dos escândalos e das histórias mal contadas que aparecem diariamente na mídia. Traz vagamente à tona algo parecido com os contornos que o escândalo político da morte de PC Farias causaram ao país. O renomado médico legista Olavo Bilac (Carlos Alberto Riccelli) funciona como uma espécie de Badan Palhares nesse paralelo. Trabalha em Los Angeles e é convidado pelo IML de Brasília para fazer um laudo sobre a controvertida perícia da identificação de uma ossada, supostamente pertencente à jovem economista desaparecida Eugênia Câmara (Karine Carvalho). Se a perícia confirmar a identidade de Eugênia, ficará provado que ela foi assassinada pelo namorado Augusto dos Anjos (o versátil ator teatral Michel Melamed que, aqui, está literalmente preso e contido), cineasta e última pessoa a vê-la antes do desaparecimento. Os políticos acusados querem que o Augusto permaneça na cadeia, e por isso pressionam o legista para identificar o corpo de Eugênia. Aí entra em jogo a questão ética, misturada a um amontoado de motivações pessoais que entrarão em choque no derradeiro parecer sobre a causa mortis da novilha defunta.
A fininha veia cômica embutida nesse freezer cinematográfico até que promete. Dar aos personagens nomes de protagonistas da literatura é um chiste bem-vindo do diretor. Talvez se trate de uma ironia em relação ao tratamento dado à qualidade do texto do filme. Enquanto que os escritores e poetas buscam a posteridade artística e a perpetuação de suas obras, o recorte folhetinesco típico de notícia sensacionalista de jornal estampa seu cheiro perecível e seu frescor efêmero. Ou então, essa licença poética de se apoderar de identidades literárias conhecidas serve para reforçar a idéia de que o filme, mesmo e apesar de suas nuances baseadas em fatos, nada mais é do que uma obra de ficção, resultado de um processo criativo livre e esquizofrênico do autor.
A porcentagem indicativa do título, de acordo com informações extra-oficiais de releases (ou talvez eu tenha dormido em algum momento explicativo crucial da exibição da película), refere-se tanto à baixa taxa de umidade da cidade quanto ao número de filmes de ficção realizados pelo diretor. Trata-se também de uma anedota subliminar contada por Nelson para ele mesmo. Até aí tudo bem. Nada impede que o autor se utilize à exaustão de elementos cognitivos herméticos como forma de brincar com seu público. O problema é que, nas informações não fornecidas pela assessoria de imprensa da distribuidora do filme, tudo leva a crer que o número 18 do filme diz respeito ao termostato que mede a frigidez cênica predominante. O Aritana Riccelli leva demais a sério a morbidez estática de seu papel. Confunde o dilema pessoal com a falta de expressividade de seu semblante. Exagera em seu olhar que contempla o nada, em busca do desnecessário. Mais uma vez, o cinema brasileiro teima em manter os vícios interpretativos que trocam diálogos por declamações. Tudo é muito falso, sem vida, sem naturalidade.
Brasília 18% é uma estalactite dentro do panorama nacional cinematográfico contemporâneo. Tudo parou nos tiques nervosos dos anos 80. Os planos são pesados, a estética cheira a mofo, a busca pela verossimilhança causa gripe. Só dá mesmo pra espirrar diante de tanta naftalina. Resta saber se os outros 82% do cinema nacional estão sendo preenchidos por autores que não se petrificaram no tempo e no espaço.
Érico Fuks é editor do site cinequanon.art.br
Ano: 2005
País: Brasil
Classificação: 16 anos
Duração: 0 min
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Roteiro: Nelson Pereira dos Santos
Elenco: Carlos Alberto Riccelli, Karine Carvalho, Malu Mader, Othon Bastos, Otávio Augusto, Carlos Vereza, Nildo Parente, Tonico Pereira