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O duplo sentido do título fica latente logo no começo de Em Direção ao Sul (Vers le sud, 2005).
O Haiti já era famoso nos anos 70 pela pobreza e pela má distribuição de renda. Um grupo de turistas norte-americanas, porém, associa o lugar a uma espécie de paraíso do sexo. Na praia da capital Porto Príncipe há um resort para onde, a cada verão, Ellen (Charlotte Rampling) e suas amigas rumam. Lá, os negros jovens, atléticos e viris do Haiti dão toda a atenção que, na civilização, as mulheres de meia-idade já não recebem.
Elas rumam ao sul não apenas geograficamente, mas anatomicamente.
Ellen tem um preferido: o belo Legba (Ménothy Cesar), de dezoito anos, consciente de seu papel informal de prostituto. Legba recebe presentes em troca do prazer de Ellen. Não há, aparentemente, maior apego sentimental. Mas logo chega ao resort Brenda (Karen Young), turistas que há muitas temporadas iniciou Legba no sexo e com ele teve seu primeiro orgasmo. A aproximação da estranha ao grupo de amigas de Ellen provocará, um pouco de rivalidade e um tanto de ciumeira.
Em Direção ao Sul é baseado em três romances do escritor haitiano Dany Laferrière, exilado durante a ditadura da família Duvalier. O material impregnado de denúncia social de Laferrière não se limita a descrever o resort. A narrativa passeia pelas ruas de Porto Príncipe, evidencia a diferença de classes e mostra a ronda violenta que os capangas de Duvalier, os chamados tontons macoutes, fazem nas ruas para inibir qualquer manifestação contra o governo. O teor sociopolítico está bastante presente do filme.
O problema é que a especialidade do diretor francês Laurent Cantet não são os grandes painéis sociais, e sim o filme-de-personagens. Em linhas gerais, as suas obras tratam de pessoas com dificuldade de se encaixar nos papéis que a sociedade escolhe para elas. É assim em Sanguinaires (1997), sobre um grupo que decide passar a virada do milênio em uma ilha isolada. E é assim no ótimo A Agenda (2001), sobre um executivo que perde o emprego, não conta nada para a família e forja um novo trabalho imaginário.
Há um filme-de-personagens rivalizando com o filme-denúncia dentro de Em Direção ao Sul. Cantet sai-se melhor, por vocação, quando enfoca o drama das protagonistas. Ellen e Brenda são as típicas heroínas trágicas de Cantet, lutando contra o determinismo da meia-idade e contra o preconceito do sexo inter-racial. Em desempenho habitualmente notável, Charlotte Rampling condensa em sua personagem um conflito existencial dos mais complexos. Já o filme-denúncia patina. A vitimização de Legba - por extensão, de todos os pobres haitianos - esbarra no sentimentalismo ongueiro com que o cinema europeu costuma olhar as mazelas do terceiro mundo.
Ano: 2005
País: França, Canadá
Classificação: 16 anos
Duração: 105 min