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A Pequena Lili | Crítica

<i>A pequena Lili</i>

03.03.2005, às 00H00.
Atualizada em 16.11.2016, ÀS 23H05

A pequena Lili
La Petite Lili

França, 2003
Drama - 104 min.

Direção: Claude Miller
Roteiro:
Julien Boivent, Anton Chekhov (peça)

Elenco: Nicole Garcia, Bernard Giraudeau, Jean-Pierre Marielle, Ludivine Sagnier, Michel Piccoli

Se fosse pra resumir o filme em apenas uma frase, daria pra dizer que se trata de um Eric Rohmer que acordou com o pé esquerdo. Existem influências claras do mestre do cinema clássico francês: a ambientação paisagística bucólica, o refúgio dos protagonistas a um espaço primitivo, acarpetado de grama e de cores. Esse escapismo seria um recurso formal para mostrar que o contato com a natureza pode fazer o homem se purificar dos vícios da sociedade moderna para dar vazão a suas ações e reações mais instintivas, desprovidas de máscaras e de defesas.

Entretanto, as comparações acabam no campo panorâmico de construção e caracterização de personagens. Muito embora este mais novo trabalho do diretor Claude Miller (Betty Fischer e Outras Histórias), baseado num texto teatral de Chekhov chamado The Seagull, também use e abuse da nudez dos corpos e da alma para retratar o amor idílico, ele se distancia da fonte inspiradora já nos primeiros instantes. Para Rohmer, o amor não é só um ponto de partida de suas histórias, mas um ponto de chegada também. Seus filmes reverenciam o amor volátil, efêmero, adúltero e de certa forma inocente, como se este nobre sentimento fosse apenas o elemento propulsor das contenções e extravasamentos do ser humano. Daí a espontaneidade dramática percebida nos diálogos, que causa ao espectador a sensação de um "estar à vontade" nos papéis bem autoral, em que fica difícil notar a linha que separa o roteiro escrito dos improvisos cênicos.

Já Miller é mais esquemático. Retrata o amor como um sintoma social, vítima de uma relação de causa e efeito dentro do complexo mecanismo de ambições e frustrações que regem o comportamento humano. Ou seja, para ele não existe o "amor livre". Fazer amor pode tanto querer mostrar a concretização de uma paixão, como também uma prática para romper o ócio ou, quem sabe, uma forma de transgredir valores sociais. E, nesse sentido, A Pequena Lili é muito mais enclausurado que os filmes de Rohmer. Coloca o amor emparelhado ao mesmo patamar do ódio, por exemplo. Essa é a opção ideológica de Miller, que ao longo do filme se distancia de seu guru e se aproxima das vertentes atuais do cinema francês. Que, de um modo geral, raras exceções, através de sua excessiva verborragia retrata a sociedade como paranóica e mal-humorada.

A Pequena Lili conta a história de uma família que vai passar as férias numa casa de praia na Bretanha pra descansar. Mado Marceaux (Nicole Garcia), a proprietária, é uma atriz famosa que convida para esta temporada seu irmão Simon (Jean-Pierre Marielle); seu filho Julien (Robinson Stévenin), um jovem videomaker tão grosseiro quanto ingênuo; e seu amante Brice (Bernard Giraudeau), cineasta reconhecido que dirigiu seus últimos filmes. Entretanto, o que deveria ser recreio transforma-se em tédio. Além de ser turrão e manter um relacionamento conturbado com a mãe, Julien faz filmes-cabeça para acentuar ainda mais o conflito de gerações. Consta em seu portfólio um trabalho que filmou usando sua namorada como protagonista, a lolita Lili, interpretada pela Ludivine Sagnier (Peter Pan, Swimming Pool). Para romper a mesmice, ele resolve exibir este material para a família. A partir daí, surge uma sensação que mistura constrangimento e hipocrisia, numa sucessão de insultos em que se chocam o brutal e o refinado. Interessante notar que, neste momento, há uma certa inversão de valores. O contato com a natureza, que deveria ser uma reprodução mais realista da família, encobre suas frustrações e evoca a falsidade do bem-estar. São pessoas desiludidas num mesmo teto. Já o vídeo, que em tese deveria denotar a artificialidade da situação, é onde se manifesta o aspecto mais verdadeiro do autor encrenqueiro. "É um filme sem compromisso, puro como água nascente", diz um dos membros da família.

É justamente esse filme dentro do filme que deixa mais clara a intenção de Miller: sua vontade emergente de discutir, mesmo que em um pequeno núcleo, o que é real e o que é representação. Pena que a proposta seja maior do que o seu trabalho.

Nota do Crítico
Regular
A Pequena Lili
La Petite Lili
A Pequena Lili
La Petite Lili

Ano: 2003

País: França

Classificação: 16 anos

Duração: 104 min

Onde assistir:
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