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Neste 2003, Larry Clark completa sessenta anos de idade. Mas, a julgar pelos seus filmes, o diretor norte-americano, pai de três filhos, aparenta ter metade disso. Dedicado a retratar o lado vergonhoso da juventude de seu país, Clark cultiva um discurso virulento, até cruel. Apresenta mais vigor do que muito jovem diretor iniciante.
Mas medindo-se a sua produção no cinema, Clark está, de fato, ainda a caminho da maioridade. Fez a sua estréia com um barulho sem igual, o marcante Kids, em 1995 - filme que chegou a ser usado em escolas, como uma forma pedagógica de alerta dos riscos da AIDS. Foram três anos até o seu segundo longa, Kids e os profissionais (Another Day in Paradise, disponível em vídeo por aqui), mais três até Ken Park e este Bully, que estréia agora no Brasil, no qual Clark interpreta o pai de Hitman.
A regra maldosa do viu um, viu todos bem que poderia ser aplicada a Clark. Os seus filmes, invariavelmente, exibem sexo irresponsável, gravidez indesejadas, drogas, espancamentos, jovens alienados e adultos ora omissos, ora controladores. Muitos críticos acreditam, baseados em sólida argumentação, que Clark se sustenta na agressão visual, mas não consegue esconder o seu conservadorismo, a sua visão tortuosa e moralista da realidade.
Considerando-se o revoltante retrato exibido em Bully, Clark ofereceria mais um instrumento aos seus detratores. Não há, entre os personagens do filme, um único vestígio de consciência - o único jovem com certo senso de moral é um loser gordo, manipulado pelos amigos, que corta a grama de casa e é viciado em arcades. Acontece que, ineditamente, o diretor possui um trunfo generoso: a trama se baseia numa história verídica, ocorrida em 1993, e transformada em livro, Bully: A True Story of High School Revenge, pelo escritor Jim Schutze.
Melhores amigos desde a infância, Marty (Brad Renfro) e Bobby (Nick Stahl) têm uma relação atípica, quase fetichista. De personalidade obtusa, Bobby trata o inerte Marty como um brinquedo. Saem juntos, ganham as meninas, mas, na verdade, sofrem uma sexualidade reprimida. Tudo muda quando Bobby violenta Lisa (Rachel Miner), a nova namorada de Marty, e ainda humilha Ali (Bijou Phillips), amiga do casal. Começa uma insurreição inconseqüente contra o rapaz, apoiada por mais e mais amigos do grupo, que terminará, evidentemente, de maneira trágica.
E abre-se um paradoxo. Clark exibe - com uma fotografia obscena, quase pornográfica - jovens bonitos, sexys, em seus carrões, sem maiores preocupações, e sem a menor profundidade psicológica também. De fato, a molecada só faz transar, fumar, fumar, dirigir, transar, fumar e transar. A questão é a seguinte: se a realidade se mostrou assim no ocorrido em 1993, se Clark apenas reproduz a imagem da juventude dos EUA, onde está o erro do filme?
A verdade é que, diante da chance de iluminar um caso rico do ponto de vista da investigação psicológica, Clark desperdiça o seu tiro, abusa do festim e não consegue imprimir significado nas ações dos personagens. Os jovens são atraentes apenas fisicamente, não oferecem um desafio interpretativo de fato (o único com algum potencial, o Bobby feito com esmero por Stahl, acaba mal aproveitado). No fim, o diretor só consegue criar rebuliço e impacto, rascunhar um retrato redundante, tornar ainda mais grotesca uma circunstância já grotesca por natureza.
Imagens © Lions Gate Films
Ano: 2011
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 98 min
Direção: Lee Hirsch
Roteiro: Lee Hirsch, Cynthia Lowen