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Jogo Subterrâneo | Crítica

<i>Jogo Subterrâneo </i>

31.03.2005, às 00H00.
Atualizada em 16.11.2016, ÀS 20H04

Jogo Subterrâneo
Brasil,
2005 - 108 min.
Romance/suspense

Direção e roteiro: Roberto Gervitz

Elenco: Kátia Bissoli, Felipe Camargo, Daniela Escobar, Júlia Lemmertz, Maria L. Mendonça, Maitê Proença, Vera Vilela

Se de fato a premissa lúdica de sua proposta fosse concretizada, Jogo Subterrâneo (2004), novo filme do diretor e co-roteirista Roberto Gervitz (Feliz Ano Velho, além de alguns programetes do projeto para TV Gente Que Faz) até que poderia render uma boa partida. Mas a escolha narrativa a partir da dissecação da personalidade um tanto esquizofrênica do protagonista faz o filme se perder um pouco. O emaranhado de possibilidades de traçar o seu próprio destino, confundido com as tramas labirínticas das linhas do metrô de São Paulo, é o que dá o tom a esta película. Plataformas urbanas que cercam e aprisionam transeuntes que têm sede de encontrar pessoas e ao mesmo tempo de fugir delas. Estratégias muito bem pensadas de seguir passageiros misturados a milhões de outros, mas que também estão fadadas à sorte dos acontecimentos alheios à vontade.

O jogo, na verdade, é o pingue-pongue entre o físico e o metafísico. Quando o filme se aprofunda na análise do comportamento humano, corta para um fato mais vinculado ao acaso, ao destino, ao universo estranho e desconhecido que a ciência mal consegue explicar. E, quando este acaso une as pessoas, mais pela coincidência de itinerários do que qualquer outra coisa, volta para a dinâmica que dá pano pra manga para o campo da Psicologia. E assim por diante.

Que se trata de um jogo, não há dúvida. A cena inicial mostra o mapa da cidade de São Paulo como se fosse o tabuleiro. As linhas de trem seriam o percurso. Cada estação seria uma "casa". Igual àqueles tablados de papelão infantis e coloridos. A diferença é que, no jogo adulto, o que vale não é a corrida, mas sim a permanência. Não importa onde será o ponto de chegada. Cabe ao jogador, único, adversário de si mesmo, simplesmente seguir seu caminho traçado ou se deixar levar pelo fluxo do comboio lotado. Cada mulher que cruza seu trajeto vale pontos. Cada possibilidade esperançosa de um novo amor, de uma nova vida, mais pontos ainda. As regras não são tão claras, mas são essas. Nada de dados de marfim para indicar o quanto se deve andar. Basta apontar o dedo aleatoriamente para um ponto da galáxia que é a metrópole paulistana, reproduzida cartograficamente num papel afixado na parede, e a partir daí projetar o rumo de um dia qualquer. A sorte está lançada.

A história é baseada no conto Manuscrito Achado num Bolso, editado no livro Octaedro, do papa do realismo fantástico, o escritor Julio Cortázar. Martin (Felipe Camargo) percorre estações de trem, observa as mais bonitas mulheres, persegue os mais desejados pares de pernas e desenvolve mentalmente histórias a partir de elucubrações sobre aquilo que poderia acontecer entre ambos os sexos. Inventa nomes, inventa fatos, mas deixa toda a sua paranóia registrada num caderninho. O filme faz de tudo para que esse retrato doentio de personalidade ganhe um certo glamour que o cinema nacional tanto procura a partir de seus anti-heróis.

Em suas frustradas tentativas, Martin conhece a tatuadora Tânia (Daniela Escobar), mãe de uma menina autista, Victoria (Thávyne Ferrari). Cruza freqüentemente com Laura (Julia Lemmertz), uma escritora cega que vive à caça de personagens para seu imaginário texto e para isso vampiriza os relatos do protagonista. Em seu jogo contínuo e obsessivo, Martin acaba encontrando Ana (Maria Luísa Mendonça), uma mulher com estilo dark e passado obscuro.

Enquanto o filme brinca de tatu debaixo da terra, vai bem nos trilhos. As tentativas de se recriar um estilo film noir são no mínimo corretas. O subterrâneo claustrofóbico é um achado do diretor. Há boas seqüências, um jogo eficiente de cortes e uma direção de planos segura. A palidez psicológica dos personagens está muito bem caracterizada, contrastando apenas com o cromatismo semântico dos nomes das linhas do metrô. As locuções em off de um texto em primeira pessoa, adicionadas ao rosto do jogador, contribuem para o clima de suspense. Pairam dúvidas se o discurso de Martin é um composto híbrido de tensão e indiferença. Há ânimo e desânimo no papel do protagonista.

O problema é quando o filme resolve sair da toca e atingir a superfície. Aí fica, trocadilhos à parte, superficial. A atuação do ex-marido briguento da Vera Fischer e de todo o elenco não convence. Os diálogos são aqueles do tipo que se encontram somente no papel. Há uma busca estética oitentista que aumenta o desbotamento dessa história e afasta suas nuances da contemporaneidade. O retrato metafórico do protagonista, um pianista de boate decadente, que toca para os ébrios desiludidos chorarem seus desamores, é ultrapassado. O filme peca por não sustentar algumas de suas propostas como, por exemplo, a que justifique a existência de personagens privados de seus sentidos. Que o filme é racional mas namora o sensorial, isso dá pra perceber. As tatuagens, a gravação de tinta na pele, é o mais evidente. A busca nas teclas pelo som bonito, pela nota perfeita, é uma comparação a nossas constantes procuras pela melopéia da vida. A cegueira, como forma de se tatear um novo sentido de percepção e apreciação das coisas, é até plausível. Mas por que centrar o objeto de análise na autista? Será que é necessário um escapismo tão patológico para compreender essa jogatina viciosa?

Se o ingresso de cinema equivalesse a um bilhete unitário, a relação custo/benefício para este filme estaria perfeita. Todavia, com a quantidade de trabalhos superiores em cartaz, nossa orientação ao microfone é aguardar o próximo ou desembarcar pelo lado esquerdo.

Nota do Crítico
Bom
Jogo Subterrâneo
Jogo Subterrâneo
Jogo Subterrâneo
Jogo Subterrâneo

Ano: 2005

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Direção: Roberto Gervitz

Elenco: Felipe Camargo, Maria Luísa Mendonça, Júlia Lemmertz, Daniela Escobar, Maitê Proença

Onde assistir:
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