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Sanguinaires - A Ilha do Fim do Milênio | Crítica

<i>Sanguinaires - A ilha do fim do milênio</i>

17.04.2003, às 00H00.
Atualizada em 08.01.2017, ÀS 23H00

Sanguinaires
A ilha do fim do milênio

Les Sanguinaires
França, 1998
Comédia/drama - 71min.

Direção: Laurent Cantet
Roteiro: Laurent Cantet, Gilles Marchand


Elenco:
Frédéric Pierrot, Catherine Baugué, Jalil Lespert, Marc Adjadj, Nathalie Bensard, Isabelle Coursin, Aurelia Doudeau...

Você gosta de Reveillón? Abraços em desconhecidos te apetecem? Veste roupa branca, pula ondas, guarda lentilha, acende velas ou come romã?

Se além de responder "não" a todas as perguntas anteriores, você ainda ABOMINA qualquer tipo de confraternizações de fim de ano, então precisa dar uma olhada no francês Sanguinaires - A ilha do fim do milênio (Les Sanguinaires, 1998), de Laurent Cantet, diretor do ótimo A Agenda (LEmploi du temps, 2001).

O filme faz parte de um grande projeto, denominado "2000 visto por..." idealizado em meados dos anos 90 pelas produtoras francesas Haut et Court e La Sept Art. Seis diretores do mundo foram convidados a opinar sobre a celebrada (e antecipada) "virada do milênio" que marcou o mundo em dezembro de 1999. De todas as produções, a melhor é Vida sobre a Terra (Life on Earth, de Abderrahmane Sissako, Mauritânia, 1998), simples, esperançoso e humanista. Em contrapartida, a visão de Cantet opta por questionar a histeria e os fogos de artifício em torno do evento.

Um grupo de pais e filhos capitaneado pelo idealista François (Frédéric Pierrot, ótimo) decide, às vésperas do Réveillon, escapar da febre de 2000 - e se refugia numa ilhota próxima a Ajaccio, na Córsega, exatamente denominada ilha Sanguinaires. Ali, em pleno inverno europeu, os únicos seres sociáveis são Stephane (Jalil Lespert), o vigia que mora na ilha e o seu burrico. Como o líder de uma seita religiosa, François coloca em prática o seu plano: estão proibidos televisão, rádios, relógios e qualquer referência ao Ano-Novo.

Acontece que a intolerância do líder, a personificação do "chato francês", incomoda a todos, inclusive à sua própria mulher, Catherine (Catherine Baugué). Os mais velhos se chateiam com a intransigência, os adolescentes se rebelam em nome da festança e os pequenos apenas curtem a natureza da ilha.

Um aspecto bem interessante, difícil de ser notado, pontua Sanguinaires: a maneira como Stephane demole as aspirações de François, simbolizada violentamente no corte de madeiras e abate de animais marinhos. Mas o que sobressai no filme, infelizmente, é um defeito. O diretor assume, em entrevistas, que se identifica com o protagonista, odeia festas, danças e multidões. Pois essa indiferença, esse ar quase blasé, penaliza o filme, que resulta distante e sem alma.

Na realidade, as alegorias que Cantet propõe são mesmo discretas. Mas um assunto tão potente mereceria ser trabalhado com mais apego, mais vigor.

O número excessivo de personagens minimiza o impacto que a ilha lhes causa: apenas François recebe tratamento devido, enquanto os demais não são mais do que pitorescos. O exemplo mais efetivo dessa condução desviada, dessa esquiva, é a do vigia que acolhe os visitantes. Desde o início da jornada, o jovem sabe-tudo rivaliza com François. Os dias passam e a tensão aumenta. Mas, na hora da virada de milênio, Stephane simplesmente deixa a ilha, aborrecido, e vai festejar na cidade. Não há conflito de personalidades, nem aprofundamento, que resista a uma solução como essa.

Se há algo que faz Sanguinaires valer a pena, mesmo, é o seu final. Uma metáfora bem colocada deixa no ar algumas interpretações. Pode ser um ritual de sacrifício que substitui o Réveillon, assim como a reverência de François ao farol da ilha. Ou pode ser apenas a ridicularização do protagonista (este um ponto-de-vista polêmico, mas bem intrigante). Enfim, depois de um filme morno, a reviravolta derradeira serve de estopim - boas discussões em cafés culturais podem surgir a partir do final da sessão.

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