Cena de Mea Culpa (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Mea Culpa (Reprodução)

Filmes

Crítica

Mea Culpa é thriller erótico sem erotismo nem mistério, mas algum senso de humor

Como veículo para a estrela Kelly Rowland, até que o filme de Tyler Perry funciona

Omelete
4 min de leitura
26.02.2024, às 13H51.

Em uma cena-chave do primeiro ato de Mea Culpa, a advogada Mea (Kelly Rowland - e sim, é esse mesmo o nome da personagem) briga com o marido Kal (Sean Sagar) quando ele tenta impedi-la de assumir o caso do artista Zyair (Trevante Rhodes), acusado de matar a namorada. Para encerrar a discussão, Mea se levanta da mesa e abre uma gaveta da cozinha, tirando de lá uma pilha de correspondências - todas contas vencidas - e jogando-as no balcão, perguntando ao marido, desempregado há vários meses: Qual dessas você vai pagar?. Claramente, a ex-Destiny’s Child não está a fim de ficar com um homem que não pode pagar suas contas.

Esta é só um dos muitos diálogos em que o diretor e roteirista de Mea Culpa, Tyler Perry, faz referência à icônica carreira pregressa de sua estrela na música - os fãs dela devem ficar de ouvidos atentos para acenos a “Dilemma” e “Say My Name”, e esses são apenas os que eu consegui identificar. A já habitual mão pesada de Perry, curiosamente, só faz aumentar o fator entretenimento desses easter eggs, exatamente como acontece nos momentos folhetinescos em que Mea Culpa tem alguma grande revelação de trama a fazer, ou no clímax de ação do filme, que remete bizarramente às perseguições no final de clássicos do cinema slasher (talvez um reconhecimento ao papel de Rowland em Freddy x Jason, mas pode ser que eu esteja indo longe demais).

De uma forma ou de outra, é nesses exercícios de gênero baratos e nesse senso de humor referencial que moram os interesses genuínos de Perry como cineasta. Quanto mais longe disso as exigências marketeiras do algoritmo da Netflix o empurram, menos Mea Culpa se mostra um bom entretenimento. Por exemplo: tentando capitalizar em cima do sucesso de bobagens como O Lado Bom de Ser Traída, 365 Dias e Através da Minha Janela, todos lançados pela plataforma, o novo filme de Perry quer se aproximar do thriller erótico ao colocar Mea e Zyair na trilha de um relacionamento picante, cheio de particularidades fetichistas. Mas, com a exceção de uma cena de sexo encharcada em tinta a óleo, que atende aos impulsos mais absurdistas do diretor, Mea Culpa parece terminalmente desengajado da sensualidade da sua história.

Pior ainda, o longa se mostra cheio de ideias tortas sobre como criar tensão dentro de sua história investigativa. No papel do misterioso Zyair, o talentoso Trevante Rhodes afeta um ritmo de fala curiosamente anestesiado - e, talvez imitando a cadência de seu astro, Perry parece ter pedido ao montador Larry Sexton (colaborador do cineasta desde a série House of Payne, de 2012) que aparasse o mínimo possível de Mea Culpa, deixando intactas longas tomadas de estabelecimento desnecessárias e cenas inteiras nas quais os personagens estão apenas se dirigindo aos lugares onde a ação vai de fato acontecer. É um excesso injustificável para um thriller de 2h de duração, que evidencia ou o descaso técnico da produção ou uma compreensão equivocada do conceito de “mistério em banho-maria”.

Por outro lado, é inegável que Mea Culpa cumpre a missão de vender Kelly Rowland como estrela de cinema - ou, pelo menos, do streaming. A ex-Destiny’s Child tem investido mais na atuação nos últimos anos, com papéis recorrentes em séries como Grown-ish e The Equalizer, além de aparições em comédias como A Maldição de Bridge Hollow, títulos que ganham destaque principalmente entre o público negro dos EUA. Trabalhar com Perry parece um passo natural nessa trajetória, e Rowland ainda fez jornada dupla como produtora-executiva de Mea Culpa, claramente para manter rédea curta na manipulação de sua imagem diante dos elementos mais risqué da narrativa.

O resultado é que a protagonista sempre aparece belíssima em tela, de maquiagem e joalheria completas mesmo quando está só em casa ou na cama com o marido - mas também que suas grandes cenas dramáticas são moduladas diante do que Rowland sabe que pode ou não pode fazer como atriz. E as cenas de sexo estão lá, com a nudez tímida do softcore que tem definido as produções “eróticas” da Netflix, mas Perry e Rowland resistem a se entregar a uma história sobre sexo, fazendo desse elemento quase uma concessão passageira, esquecível diante de um novelão que pouco ou nada tem a ver com as aventuras e desventuras sexuais dos personagens.

É essa cautela, no fim das contas, que define Mea Culpa. O filme existe, de propósito, em um território confortável de dramaturgia comercial, nunca descambando para o camp, mas tampouco se levando a sério demais. É uma decisão criativa pouco produtiva, que passa perto de sufocar a diversão do filme, mas uma jogada mercadológica espertíssima.

Nota do Crítico
Regular
Mea Culpa
Mea Culpa
Mea Culpa
Mea Culpa

Ano: 2024

País: EUA

Duração: 120 min

Direção: Tyler Perry

Roteiro: Tyler Perry

Elenco: Nick Sagar, Trevante Rhodes, Kelly Rowland

Onde assistir:
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