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Crítica

O Ciúme | Crítica

O que os olhos não veem

19.11.2014, às 16H06.
Atualizada em 10.01.2015, ÀS 18H33

Assim como no início de A Fronteira da Alvorada, em que o fotógrafo e a modelo estabelecem uma ligação a partir do voyeurismo, o começo de O Ciúme (La Jalousie, 2013) também tem sua dose de intimidade observada: a filha de Louis (Louis Garrel) e Clothilde (Rebecca Convenant) espia pela fechadura do seu quarto o momento em que o pai anuncia que está se separando da mulher.

Por mais que Louis e Clothilde tratem o fato com a maior naturalidade - casais se separam todo dia, em todo lugar - há uma gravidade que acompanha esse olhar "proibido". É a vida como uma encenação, talvez uma estratégia que criamos para dar sentido às coisas. E a exemplo dos melhores melodramas, cientes de sua teatralidade, O Ciúme é um filme sobre as expectativas e as frustrações criadas por essa encenação.

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Nesses filmes do diretor Philippe Garrel que tratam de amor de perdição, o ato de ver é transformador e define as relações. Ao deixar a mulher, Louis se envolve com uma atriz desempregada, Claudia (Anna Mouglalis), que a princípio parece ciumenta mas logo demonstra ter ideias diferentes de Louis a respeito de fidelidade. No melhor estilo "o que os olhos não veem, o coração não sente", Louis se encontra desafiado a não imaginar sua nova mulher com outro homem.

Como já ocorrera em A Fronteira da Alvorada, não enxergar/não saber significa a morte para os personagens de Louis Garrel. Impedido de ver, Louis tem roubada a sua posição no jogo de poder que estabelecera com sua musa - ela sempre uma figura inimputável nos filmes de Garrel. Se há um pecado cometido entre as decepções amorosas de O Ciúme, é o da cegueira. Quando flerta com o adultério, por exemplo, Louis o faz numa sala de cinema, nas sombras. Não é mesmo fácil ver as imperfeições do mundo sob a luz do dia.

Depois de passear pelos fantasmas da Cinecittà em Um Verão Escaldante, Philippe Garrel volta aqui a tratar de encenação/voyeurismo de modo mais literal. Não por acaso, Claudia é uma atriz que não exerce seu ofício, ao contrário de Louis, que enquanto ator "entende a ficção melhor que a vida". O que seria o ciúme, então, senão uma defesa emocional que permite às pessoas se ancorar na autoficção?

Por que na realidade tudo é livre, tudo muda. Garrel filma os personagens de O Ciúme sempre em trânsito: chegando e saindo de apartamentos, saindo do teatro, chegando e saindo de bares. É como se evitassem ser filmados em qualquer momento que não seja entreatos, como se rejeitassem a ficcionalização. Nesse sentido, a capacidade de ver, ter o domínio de uma imagem, à qual Louis obsessivamente se apega, é também ter o domínio sobre a vida, por fugaz que seja.

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