O Estrangulador de Boston usa crimes para discutir sexismo

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Crítica

O Estrangulador de Boston usa crimes para discutir sexismo

Filme usa do True Crime como pano de fundo para discussão que se prova atual

Omelete
4 min de leitura
17.03.2023, às 06H00.

O caso do Estrangulador de Boston aconteceu antes mesmo da expressão Serial Killer ser cunhada por Robert Ressler nos anos 70, mas isso não significa que a selvageria dos crimes era menor ou a violência de assassinatos em série era menos gritante. Na década de 60, faltava um nome que desse uma unidade para esse tipo de assassino, nada além disso. Ainda com essa falta, Loretta McLaughlin (Keira Knightley), uma jornalista de estilo de vida do jornal Record-American, começou a perceber padrões nas mortes brutais de diversas mulheres e iniciou uma luta para escrever sobre o assunto. O filme é sobre a busca dela e de sua colega, Jean Cole (Carrie Coon), para passar por cima do sexismo da época e, mesmo com o medo incrustado e com os impeditivos durante o caminho, conseguir não só escrever a matéria, mas salvar mais mulheres de serem assassinadas.

Assim como a série Dahmer, o filme O Estrangulador de Boston segue a tendência de dar importância e personalidade às vítimas e mostra, em detalhes, muito do pânico social causado por crimes deste tipo. Com uma delicadeza raramente vista, o diretor e roteirista Matt Ruskin retrata, como centro do enredo, a força das jornalistas que, desesperadamente, tentavam fazer com que a polícia de Boston, totalmente masculina, conectasse os crimes que eram incrivelmente parecidos, mas que ninguém parecia fazer questão de unificar. A diferença da narrativa de Dahmer é que o assassino em si, no filme, aparece pouco. Mais do que isso, numa história sobre mortes de mulheres, temos uma mulher como protagonista e vemos os dramas que ela enfrenta para conquistar alguma credibilidade em seu espaço profissional.

Durante boa parte do filme, a protagonista, Loretta, é castrada por homens, que só existem para cortar a capacidade dessas mulheres pela metade, sejam seus chefes, seus maridos ou companheiros de trabalho. O apoio dos representantes do sexo masculino começa a vir depois de provas e mais provas da capacidade, eloquência, coragem e insistência das mulheres que precisam deixar de lado uma parte importante de suas vidas, para que possam ser as melhores profissionais que podem ser.

Produzido por Ridley Scott e com um bom roteiro, o longa promete ser um marco no cinema sobre True Crime, porém, deixa bem claro que é muito mais um filme sobre o jornalismo feito na época do que um filme de suspense, com exceção de alguns momentos - entre os quais, se destaca uma cena de morte, em que só ouvimos o assassinato acontecer, mas o que toma conta da tela é apenas a banheira com uma torneira pingando, o que torna todo o horror ainda mais forte. Bem me lembro ao ouvir, numa entrevista clássica, Steven Spielberg comentar que jamais deveria ter mostrado o tubarão em Jaws, pois o não mostrar traz muito mais impacto do que aquilo que aparece por completo.

Keira Knightley e Carrie Coon formam uma dupla com muita química e que se complementa brilhantemente. Enquanto Keira representa uma jornalista forte, apesar do comportamento jovial e inexperiente, Carrie, mais incisiva, acaba jogando o jogo da época para que o caminho possa ser aberto para as duas, não só para ela, e fazer com que ambas cheguem ao objetivo final: conseguir a verdade sobre a história.

A delicadeza do roteiro é que, em nenhum momento, a interação das duas faz alimentar alguma rivalidade, mesmo que, no início, Jean tenha sido colocada para ajudar a escrever a matéria de Loretta. A amizade das duas jornalistas acaba sendo pautada pela admiração e pela garra de ambas, mesmo que representadas de maneiras diferentes, em uma busca para contar a verdade não só sobre os assassinatos, mas sobre a postura de desprezo, indiferença e corpo mole dos policiais envolvidos no caso. Outros pontos altos do filme são o figurino e a direção de arte, como não poderia deixar de ser em um filme que tem Ridley Scott envolvido no processo.

Enquanto muitas mulheres devem se identificar com o filme e se impressionar com o nível de detalhes reais e atuais sobre a maneira como elas são tratadas em um meio profissional predominantemente masculino, é provável que muitos homens se sintam incomodados com o decorrer da história e até achem que o enredo é um exagero e que a coisa “não é bem assim”, o que mostra, ainda mais, o artesanato que foi a construção desse filme por Matt Ruskin. O diretor, aliás, fez questão de pesquisar o assunto a fundo e conseguiu chegar em uma das netas de Loretta, pelo obituário da jornalista, e depois pesquisando sobre a família dela no Facebook. Em uma coincidência, durante o processo ele também descobriu que uma amiga era neta de Jean

No final das contas, Albert DeSalvo, o (provável) assassino, é retratado como o último na escala da cadeia alimentar do mesmo machismo estrutural responsável por calar e matar mulheres, fazendo com que ele, literalmente, impeça a manifestação das vozes femininas. Ele faz com as mãos o que outros homens mostrados no filme fazem com o comportamento. Ainda assim, ambos violentos e cruéis, cada um à sua maneira.

Nota do Crítico
Ótimo
O Estrangulador de Boston
Boston Strangler
O Estrangulador de Boston
Boston Strangler

Ano: 2023

País: EUA

Direção: Matt Ruskin

Roteiro: Matt Ruskin

Elenco: Carrie Coon, Keira Knightley

Onde assistir:
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