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Pergunte ao Pó | Crítica

Pergunte ao Pó

08.06.2006, às 00H00.
Atualizada em 17.11.2016, ÀS 21H05

Pergunte ao Pó
Ask the Dust
EUA, 2006
Drama - 117min

Direção: Robert Towne
Roteiro: Robert Towne, baseado em livro de John Fante

Elenco: Colin Farrell, Salma Hayek, Donald Sutherland, Eileen Atkins, Idina Menzel, Justin Kirk, Dion Basco, Jeremy Crutchley, William Mapother, Tamara Craig Thomas

Toda vez que estréia um filme adaptado de uma obra literária uma pergunta aparece: o filme é fiel ao livro? E mais: o que é melhor, livro ou filme?. Existe uma resposta padrão para a questão: são coisas totalmente diferentes, linguagens diferentes. Portanto, cobrar fidelidade ou comparar qual é melhor seria inadequado. Tudo bem. Concordo em tese. Pois existem filmes que acabam se aproveitando do sucesso e da qualidade de certos livros para alçar vôos que sozinhos não fariam, fugindo de tal forma do livro que chegam a parecer oportunistas, tamanha a disparidade com a obra base.

Pergunte ao Pó (Ask the dust, 2006), dirigido por Robert Towne e que adapta o livro homônimo de John Fante, vai nessa linha - apesar de Towne ter sido amigo de Fante e de ter tido o consentimento da família para fazer a adaptação e mudar o final da história. Fante, que também foi roteirista, se estivesse vivo, talvez entenderia as mudanças e talvez até as aprovasse, como fez a sua família, mas os leitores de Fante, com certeza, não aprovam e devem torcer o nariz, com toda razão, para o filme.

Voltamos então à questão: o que é melhor, livro ou filme? Digo que apesar das linguagens serem diferentes, Towne, por mais próximo que tenha sido de Fante, não consegue transformar a riquíssima prosa do escritor em imagens interessantes e nem mesmo dá à trama de Arturo Bandini e Camila Lopes o tom adequado. Sua visão trai a matéria do livro, o transforma num melodrama banal, açucarado e distante da rigorosa, densa, triste e incrivelmente fluida poesia do livro.

Até a metade, o filme até que se sustenta. Colin Farrell constrói de forma aceitável seu Arturo Bandini, um alter-ego de Fante, escritor iniciante que se alimenta de frutas passadas, quase estragadas, para sobreviver na cáustica Bunker Hill, Los Angeles, nos anos 30. Neste cenário, ele acaba conhecendo num café a garçonete mexicana Camila Lopes, Salma Hayek, com quem mantém uma relação de amor e ódio. O filme, num primeiro momento, até tem êxito em retratar essa relação que explora as relações inter-raciais da América da época: um ítalo-americano e uma mexicana, ambos tentando vencer na América; mas, não consegue chegar perto da dimensão humana, demasiadamente humana, com a qual Fante constrói esses dois seres belíssimos, trágicos, retratados minuciosamente em suas fraquezas.

O filme, além de não primar por construir belas imagens - o livro está cheio delas -, acaba desconstruindo a história, modificando alguns pontos chaves da relação, principalmente na sua parte final. Não explora o fato de Camila ser apaixonada de forma doentia por outro, Sammy, um escritor sem nenhum talento que a destrata, e ainda omite uma parte importante da história, na qual ela, em total decadência, apodrece em casa devido ao vício de maconha.

A impossibilidade do amor entre Camilla e Bandini é o que torna o livro maravilhoso. O filme inverte isso e ainda transforma o vício de Camilla numa melodramática tuberculose. Essa opção altera completamente a belíssima passagem final do livro, que lembra Paris, Texas (1984) e a busca de Travis, personagem principal do filme de Wim Wenders, pelo deserto. O romance deixa em aberto a história e usa com maestria a imagem do deserto no qual a infinidade de caminhos pode representar também que não há caminho algum.

Para terminar, indico veementemente a leitura do livro, uma obra-prima incontestável. Bukowski, para se ter uma idéia, admirava tanto o escritor que exigiu que seu editor relançasse a obra de Fante como condição para que ele, Bukowski, continuasse editando os seus livros pela Black Sparrow.

Não havia estradas, nem cidades, nenhuma vida humana entre aqui e outro lado do deserto, nada a não ser a terra desolada ao longo de quase cento e cinqüenta quilômetros. Levantei-me e continuei a caminhar. Estava dormente do frio, mas o suor escorria pelo meu corpo. O leste acinzentado iluminou-se, metamorfoseou-se em rosa e depois em vermelho, e então a gigantesca bola de fogo ergue-se das colinas enegrecidas. Através da desolação, havia uma suprema indiferença, a casualidade da noite e de outro dia e, no entanto, a intimidade secreta dessas colinas, sua maravilha silenciosa e consoladora faziam da morte uma coisa sem grande importância. Você podia morrer, mas o deserto esconderia o segredo da sua morte, ela persistiria depois de você, para cobrir sua memória com o eterno vento, calor e frio. Não adiantava. Como eu podia procurá-la? Por que deveria procurá-la? O que poderia trazer-lhe a não ser um retorno à selvageria brutal que a havia derrotado?.

Uma obra única, o livro, é claro.

Cesar Zamberlan é editor do site cinequanon.art.br

Nota do Crítico
Ruim
Pergunte ao Pó
Ask the Dust
Pergunte ao Pó
Ask the Dust

Ano: 2006

País: EUA

Classificação: 16 anos

Duração: 117 min

Onde assistir:
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