Cena de Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia da Vingança (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia da Vingança (Reprodução)

Filmes

Crítica

Dupla de atrizes impede que Tempos de Barbárie fique só na indignação

Cláudia Abreu e Júlia Lemmertz driblam didatismo e melodrama para manter o espectador engajado

Omelete
4 min de leitura
16.08.2023, às 15H37.

Lá pelo terceiro ato de Tempos de Barbárie, Carla (Cláudia Abreu) liga para o ex-marido (César Mello) do telefone de uma lanchonete de beira de estrada, a fim de se despedir dele antes de realizar a parte mais crucial do seu plano de vingança contra os responsáveis pela morte da filha dos dois, em um incidente de violência urbana anos mais cedo. A essa altura, o roteiro de Marcos Bernstein (Central do Brasil) já “pulou o tubarão” há muito tempo, empilhando reviravolta em cima de reviravolta na vida da protagonista, esbarrando mais de uma vez no melodrama sem conjurar a autoconsciência necessária para de fato abraçá-lo, e descambando para diálogos didáticos que reiteram um discurso político já bem claro dentro dos acontecimentos da trama.

E, ainda assim, Cláudia Abreu encontra algo genuinamente tenso, e sinistro, e infinitamente cativante, naquele último apelo à humanidade que Carla faz antes de se igualar à violência do mundo cruel que vê ao seu redor. Literalmente pendurada ao telefone, ela exibe a postura derrotada de quem sabe que o caminho que tomou não tem volta, mas não deixa que o fogo por trás dos olhos da personagem se apague - é só ao entender o luto e raiva profundos que Carla vive que podemos nos manter do lado dela (mesmo que ambiguamente) durante os eventos finais de Tempos de Barbárie

Sabendo que a maior parte desse trabalho descansa nos seus ombros, Abreu mostra que sua estatura como intérprete até excede o desafio que se apresenta a ela. Ainda melhor é perceber que ela não está sozinha: Júlia Lemmertz, cuja personagem - a terapeuta que comanda o grupo frequentado por Carla - é apresentada com ares de coadjuvante de luxo para depois se mostrar central para a trama, pega a deixa desse arco ascendente de importância para construir e desmanchar habilmente, aos poucos, a persona de serenidade elegante, mas crível, que já representou dezenas de vezes na TV e no cinema. Aqui, ela finalmente pode explorar a fragilidade dessa fachada, e a complexidade ressentida que existe por baixo dela.

Juntas, as duas atrizes fazem de Tempos de Barbárie um filme de humanidade latente, ao invés de uma peça de propaganda ideológica que, por mais justa que possa ser, poderia facilmente se revelar desalmada (e, portanto, ineficiente). Claramente movido pelo fogo da indignação política, Bernstein usa seus personagens para abordar os caminhos intrincados da cultura, da indústria e do tráfico armamentista no Brasil - e, embora só arranhe a superfície dos sistemas que se movem para perpetuar a violência cometida com essas armas, o esforço do roteirista em expor de forma dramatizada o caminho que elas fazem até as mãos que vão dispará-las é evidentemente importante.

Também assumindo a direção, Bernstein se certifica de que Tempos de Barbárie escape do visual chapado que marca as produções mais burocráticas da Globo Filmes. Lançando mão de jogos de sombra complexos, tomadas em perspectiva forçada, closes extremos e um filtro dessaturado onipresente, ele mantém o espectador mergulhado em um cenário urbano sujo, cinza, cheio de cantos escuros onde a violência pode estar se escondendo. As referências são óbvias (Sidney Lumet, David Fincher, até Martin Scorsese quando na chave Os Infiltrados), mas acertadas, e a execução é perfeitamente polida - difícil achar motivos para reclamar nesse sentido estético.

O elefante branco na sala, na verdade, está no subtítulo do filme: Tempos de Barbárie - Ato 1: Terapia da Vingança. Concebido como o primeiro capítulo de uma trilogia sobre a violência urbana no Brasil, o longa curiosamente parece ansioso para aparar todas as pontas da história de Carla, recorrendo, já em seus últimos 10 minutos, a uma transformação sentimental súbita que faz pouco sentido dentro do arco da protagonista. O que parece sobrar para as continuações são linhas narrativas secundárias, sugeridas de passagem, mas nunca de fato exploradas - por exemplo, o papel do chefe de Carla, vivido por Alexandre Borges, em sua transformação vigilante.

É uma escolha estrutural no mínimo curiosa, resultando em um clímax truncado que faz questionar, acima de tudo, a solidez dramática do ambicioso empreendimento de Bernstein.

Nota do Crítico
Bom
Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia da Vingança
Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia da Vingança

Ano: 2023

País: Brasil

Duração: 130 min

Direção: Marcos Bernstein

Roteiro: Marcos Bernstein

Elenco: Cláudia Abreu, Júlia Lemmertz, César Mello, Alexandre Borges

Onde assistir:
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