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Diamante de sangue: Entrevista exclusiva com Djimon Hounsou e o roteirista Charles Leavitt

Diamante de sangue: Entrevista exclusiva com Djimon Hounsou e o roteirista Charles Leavitt

04.01.2007, às 00H00.
Atualizada em 16.11.2016, ÀS 05H01

Diamante de Sangue

Blood Diamond

EUA, 2006, 138 min
Suspense/Drama

Direção: Edward Zwick
Roteiro: Charles Leavitt, C. Gaby Mitchell

Elenco: Leonardo DiCaprio, Djimon Hounsou, Jennifer Connelly, Kagiso Kuypers, Arnold Vosloo, Antony Coleman, Benu Mabhena, Anointing Lukola, David Harewood, Basil Wallace, Jimi Mistry, Michael Sheen, Marius Weyers, Stephen Collins, Ntare Mwine


Como mudou a vida do beninense Djimon Hounsou. Depois de se mudar para Paris e dormir embaixo de pontes e vasculhar latas de lixo procurando por comida, ele ganhou a sorte grande ao ser descoberto por um designer de moda e se tornar um modelo profissional. Hollywood não demorou para adotá-lo também. Seu primeiro papel importante foi em Amistad (1997), dirigido por Steven Spielberg, depois vieram a participação em Gladiador (2000) e muitos outros filmes. Mas é em Diamante de Sangue que ele consegue seu primeiro papel como protagonista em um filme de ponta. E ele não decepciona. Sério, ele conta abaixo - junto com o roteirista Charles Leavitt - como foi voltar ao seu continente e criar Solomon Vandy, um pai que não poupa esforços para ter de volta o seu filho.

O que este filme significa para você, que veio da África e está sempre por lá ajudando com trabalho voluntário? E como a mensagem do filme é importante para mostrar ao mundo o que acontece por lá?

Djimon Hounsou: Preciso começar dizendo que esta é a história humana mais forte que eu já vi. Vindo do meu continente, esta era uma história muito profunda e desafiadora. Meu agente falou que eu precisava ir à Austrália para me encontrar com o diretor Ed Zwick e descobrir o que ele estava pensando que poderia ser este personagem. Eu nasci na África, e deixei o continente ainda muito pequeno. Mas ainda tenho parentes por lá e toda vez que eu vou visitá-los passo por países que estão em conflito pelos mais diferentes motivos. Por isso este filme teve uma importância muito grande para mim.

Seu personagem está sob pressão do início ao fim do filme. Como você conseguiu manter isso?

DH: Sabe, tudo aconteceu de uma maneira até que fácil para mim. Como eu nasci e cresci por lá, eu sonhava com o dia em que eu teria dinheiro suficiente para ter o meu próprio exército e caçar todos aqueles caras corruptos de todos os lugares. Hoje, ouvindo tantas histórias sobre a África e os conflitos que existem por todo o continente, as pessoas esquecem que ainda há por lá muitos homens e mulheres vivendo na África ou morando na Europa dispostos a ver um continente em paz. Por isso eu digo que a forma de construir o personagem foi praticamente orgânica e fácil para mim.

Você acha que depois de ver este filme as pessoas vão parar de comprar diamantes?

DH: Espero que esta não seja a mensagem que nós estejamos passando com este filme. Nós fizemos o filme para mostrar ao Ocidente o que está acontecendo por lá e como funciona o comércio de diamantes. Eu não sabia muito sobre como este comércio funcionava até fazer Amistad, com Steven Spielberg. O personagem que eu faço nesta história era de Serra Leoa e mais ou menos no fim das filmagens, em 1996, 1997, a guerra civil estourou por lá e o conflito se intensificou. Foi assim que eu fiquei sabendo o que rolava por lá. Então, o que nós queríamos era contar às pessoas como acontece este comércio de diamantes e aumentar o interesse do Ocidente também sobre outros países africanos que não têm necessariamente diamantes, mas cujo povo também é atormentado. Ficar parado é intolerável e fazer alguma coisa nunca é o suficiente. Nós somos cidadãos deste mundo e precisamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para melhorar o lugar onde vivemos. Se não para nós, para os nosso filhos e os filhos deles.

Você sabia da existência de soldados crianças antes de fazer este filme?

DH: Eu sei um pouco sobre estes exércitos infantis porque faço trabalho voluntário aqui e lá. Outra coisa que nós precisamos entender sobre o assunto principal deste filme é que a situação com o comércio de diamantes engloba muitos outros problemas. Dos diamantes ilícitos vêm, por exemplo, as mortes de africanos que tentam entrar na Europa. Com certeza vocês já ouvir falar das pessoas que morreram tentando atravessar do Marrocos para a Espanha, ou o número de deportados da França de volta para a África. Há incontáveis problemas e por isso este filme era tão importante para mim. Porque ele fala dos diamantes de conflito de um lugar específico, mas mostra como isso afeta a vida das pessoas que vivem por lá, criando refugiados e muitos outros problemas, como por exemplo como trazer essas crianças de volta a uma vida normal depois que elas foram forçadas a invadir vilas e matar pais e mães, estuprar, etc. Tem de existir uma forma de reinvestir nestas crianças para que elas consigam viver depois de passar por tudo isso.

Agora, uma pergunta ao roteirista, Charles Leavitt. Como foi o processo de redação deste roteiro, as pesquisas e sua visão sobre esta história.

Charles Leavitt: Tudo começou quando a Warner Bros. veio falar comigo. Eles queriam fazer um filme sobre o tráfico de diamantes. Eles já tinham um roteiro, tipo um Indiana Jones, com um cara branco correndo por Botsuana com um tipo raro de diamante. Eu tenho este interesse nos diamantes de conflito já há algum tempo, tinha feito algumas pesquisas por conta própria, e falei para eles que não tinha interesse em trabalhar naquele roteiro, mas que tinha uma história que eu gostaria de contar, sobre os diamantes de Serra Leoa.

Eu achava que o personagem central do filme era Salomon, um africano, cuja família foi destruída por este conflito. Eu mandei esta história, bastante política, e para a minha surpresa, o pessoal da Warner Bros. disse "vamos fazer este filme, então". Foi aí que eu mergulhei com tudo no tema, fazendo pesquisas, procurando notícias sobre o assunto no mundo todo, entrevistando pessoas ligadas ao negócio de diamantes, lendo livros. E assim fui desenvolvendo a história de Salomon e Archer, o traficante mercenário, e a jornalista que acaba no meio disso. Uma vez que eu tinha o ponto de partida e sabia como terminaria a história, tudo fluiu muito fácil. Foi um dos roteiros mais fáceis que eu já escrevi.

Continuando no assunto da roteirização, você pode dizer como você conseguiu combinar a ficção com a realidade desta história?

CL: Eu sou bem meticuloso quanto a isso. A história teria de ser factual, por isso, não há nada no filme que possa ser refutado a respeito do que aconteceu em Serra Leoa e como era o negócio de diamantes naquela época. Algumas coisas foram feitas depois disso, como o Processo de Kimberley, de 2001. Então, tendo estes fatos, incluí uma história ficcional baseando a história de Salomon nas histórias reais de sobreviventes que vivem nos campos de refugiados de Serra Leoa costurando as experiências que eles tiveram e criando o arco do Salomon.

Djimon, você pode falar sobre o esforço físico que você se submeteu com tantas corridas, tiros e tudo mais?

DH: [Tosses] Até engasguei. [Risos] Depois de um mês de filmagens, eu olhei para o diretor e falei "Rola de termos um dia sem termos que correr ou brigar?" Foi então que caiu a ficha de como era difícil. E não era só para mim. Era só olhar para o lado e ver que todo mundo estava dando duro. Agora eu posso dizer que este foi o filme mais desafiador e difícil que fiz até hoje. O conteúdo emocional da história era maravilhoso, mas o dia-a-dia era bastante duro. Eu tenho de dizer que não daria para fazer este filme se não fossem as outras pessoas do elenco. Todo mundo deixava seus egos em casa, ou no hotel, e ia para o set.

Como foi trabalhar ao lado de Leonardo DiCaprio, já que vocês dois passam o filme quase todo juntos?

DH: Como eu estava dizendo, eu não teria conseguido sem ele. Lá na África, algumas pessoas do set o chamavam de "Titanic" [risos]. E o jeito dele, suas expressões corporais são realmente de proporções "titânicas". Ele é muito paciente e preocupado com o que está ao seu redor. Se ele não gostasse da África ou dos africanos, não teria dado certo. E digo isso como africano, que muitas vezes achava difícil de digerir o que estávamos retratando por lá.

Houve qualquer tipo de risco no processo de realização do filme, em relação à indústria de diamantes, estúdios, organizações ou qualquer outro tipo?

CL: Mesmo quando eu conversava com pessoas que não queriam seus nomes citados, eles ficavam surpresos que um estúdio estava se empenhando neste assunto. Mas para mim não houve riscos. Tudo o que os [departamentos de] Relações Públicas das empresas de diamante nos empurravam eram as coisas boas que eles estavam fazendo na África. Mas não sei se houve qualquer tipo de risco quando eles estavam filmando por lá.

DH: Quando estávamos todos por lá, realmente já era tarde demais para qualquer um tentar algo. Quem vai querer fazer algo contra mim só porque estamos tentando contar uma história que realmente aconteceu não apenas em Serra Leoa, mas que ainda hoje acontece no Congo, na Costa do Marfim e tantos outros lugares?

Charlie, o nível de barbárie que vemos no filme sugere que a raça humana não evoluiu muito desde a era medieval. E fiquei pensando se no processo de redação você não teve que diluir o material que você juntou enquanto fazia suas pesquisas...

CL: Nos primeiros rascunhos eu não tinha diluído, mas depois, por causa do estúdio e tudo mais acabei diminuindo um pouco. Mas é verdade, que o nível de barbárie é inimaginável. A África continua sendo o último problema na agenda dos governantes quando falamos de direitos humanos ou de intervenções ocidentais. Na Sérvia e na Bósnia a ONU logo interveio. Não quero dizer que é porque eles são brancos e ocidentais, mas você olha o que está acontecendo em Ruanda, Uganda para ver que mesmo que começássemos agora, já estaríamos atrasados. São atrocidades que não dá para diluir. Mas a respeito do filme tive que dar uma amortizada no que os traficantes faziam quando pegavam alguém roubando um diamante.

Você pode dar um exemplo?

CL: Tem uma cena do filme em que Salomon está peneirando, procurando diamantes, e um cara ao lado dele tenta esconder uma pedra que achou e leva um tiro. Isso não aconteceria. Em vez de dar um tiro, se eles achassem que o cara tinha engolido um diamante, eles o abririam.

DH: Para o bem do filme, não dava para mostrar o que realmente aconteceu por lá. Eu vi filmes enquanto fazia minhas pesquisas e vi coisas que ninguém quer ver. Não dá para imaginar como seres humanos, inclusive crianças, podem fazer coisas como essas. Eu não quero dar mais exemplos, porque talvez você não queira ouvir. O nível de barbarismo é realmente muito alto.

Os soldados com jeito de rappers também eram inspirados na realidade?

CL: Sim. Eles usavam camisetas com estampa do Tupac, Michael Jordan, Nike e tal. E eles tinham TVs com antena parabólica e viam programas como Who Wants to be a Millionaire? (o "nosso" Show do Milhão) e coisas do tipo. Era muito surreal. Em uma das tentativas da ONU de tirar crianças dessas milícias, eles prometeram que dariam bolas de futebol em troca das armas. Mas as bolas não chegaram no dia prometido, e as crianças ficaram com muita raiva e começaram a atirar.

O filme começa e termina com estatísticas. Você pode nos dar mais números que descobriu durante suas pesquisas?

CL: A estatística que mais me chamou a atenção foi que na época a indústria de diamantes era como um cartel. Eles mantinham muitos desses diamantes fora do mercado para manter os preços altos. Algo em torno de 6 ou 7 bilhões de diamantes brutos eram mantidos em cofres no porão das empresas de diamantes, em Londres. E também o fato de que os diamantes de conflito representavam 3% ou 4% dos diamantes do mercado e a destruição que estas pedras traziam a estes países são outros números que me chocaram.

Em que momento do processo de roteirização você chegou aos personagens do Leonardo DiCaprio e da Jennifer Connelly? E acrescentando, você acha que um filme apenas sobre Salomon daria certo?

CL: Não para o público ocidental. Para que o filme seja um grande projeto, com muito dinheiro, é necessário que haja uma estrela, "o cara branco". Mas sempre imaginei Archer como sendo o vilão em conflito que é tão afetado pela sua jornada ao lado do Salomon *SPOILER*e que no fim acaba se redimindo. *FIM DO SPOILER*

DH: E devemos acrescentar que tivemos muitos "Archers" durante aquela época. O personagem não foi inventado apenas para fazer o filme funcionar.

E em que ponto você acrescentou o romance na história?

CL: Bom, agora terei que dar crédito ao Ed [Zwick - Diretor] porque eu achava que não era apropriado para este tipo de história e resisti aos pedidos do estúdio para que fizesse desta forma. Queria que Maddy fosse uma jornalista interessada apenas na história, mais durona. Mas acho que ficou mais forte dessa forma. O jeito como eles se relacionam cria laços entre as pessoas. Sabe, o filme tem um tema muito pesado e às vezes você precisa parar e respirar um pouco.

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