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Diamante de sangue: Entrevista exclusiva com Leonardo DiCaprio e o diretor Ed Zwick

Diamante de sangue: Entrevista exclusiva com Leonardo DiCaprio e o diretor Ed Zwick

04.01.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H21

Diamante de Sangue

Blood Diamond

EUA, 2006, 138 min
Suspense/Drama

Direção: Edward Zwick
Roteiro: Charles Leavitt, C. Gaby Mitchell

Elenco: Leonardo DiCaprio, Djimon Hounsou, Jennifer Connelly, Kagiso Kuypers, Arnold Vosloo, Antony Coleman, Benu Mabhena, Anointing Lukola, David Harewood, Basil Wallace, Jimi Mistry, Michael Sheen, Marius Weyers, Stephen Collins, Ntare Mwine


Quando voltei desta entrevista muita gente me perguntou "e aí, o Leonardo é um chato, né?" Que nada! O cara é gente boa demais! Nada de ator mala que se acha. Quando acabou a fita de um colega, ele mesmo se ofereceu para trocar de lado. E quando eu falei que era do Brasil ele logo perguntou de onde. Ao saber que era de São Paulo, ele disparou "É, não deixavam a gente sair muito por lá. Falavam que era perigoso". Claro que ele estava se referindo ao período em que era namorado da Gisele Bündchen, mas achei melhor nem tocar no assunto. Sabe como é, o cara é gente boa, mas pra quê arriscar? Confira agora a entrevista do nosso "amigo Leo" e o diretor Ed Zwick (O último samurai):

Bom, para começar, uma pergunta para Leonardo DiCaprio. Gostaria que você falasse sobre a preparação deste papel, que é bastante físico, o sotaque, e quais as situações em que você chegou perto do seu limite. E como foi trabalhar na África?

Leonardo DiCaprio: Desde o começo eu queria muito trabalhar na África. Era um sotaque muito diferente e eu nunca tinha passado nenhum tempo da minha vida com mercenários. Então eu fui para lá, encontrei alguns destes caras, ouvi as histórias deles. Bebi com eles, tentei embriagá-los. (risos) Um desses caras, chamado Tom, era da Rodésia [atualmente chamado Zimbábue] e trabalhou como ex-mercenário na África do Sul, me falou sobre os aspectos militares, das trilhas, o que você deve fazer em uma emboscada e também dos seus sentimentos como um africano que ama o continente por tanto tempo e vive se desapontando pelas situações políticas que acontecem por lá. Ele me contou muitas histórias que viu por lá, nas zonas de guerra. O meu objetivo era esse: conhecer o maior número de pessoas possível e tentar tirar algumas das suas histórias e colocar isso no personagem. E claro que boa parte deste tempo que eu fiquei lá, gastei tentando aprimorar este dificílimo sotaque, que no início soava como o australiano, mas que depois eu percebi que era totalmente próprio. Claro que eu também tive um treinador de sotaque sempre por perto e que me ajudou muito com isso.

O que mais me impressionou na África foras as atrocidades que aquele povo passou e a dureza de ter de lidar com coisas como pobreza. Nós filmamos em Moçambique e a estimativa é de que 4 de cada 10 pessoas são HIV positivo. Como isso não te afetaria como pessoa? Mas o que mais me impressionava era a atitude das pessoas com relação à vida. Você dirige por Moçambique e vê as pessoas literalmente dançando pelas ruas. Eles são felizes por estarem vivos, têm uma forma muito positiva de ver a vida. E quando você volta para um país como os Estados Unidos, um lugar mais rico, vê que ninguém ouve os problemas dos outros. Depois de uma imersão dessas é que você percebe a sorte que tem.

Você poderia, por favor, dizer o que o atraiu para este projeto e se a sua visão do mundo mudou depois de fazê-lo?

LDC: É muito raro ver um filme que combine tão bem entretenimento e política. Quando você recebe um roteiro, é isso o que você se pergunta: este filme tem um atrativo? Ou ele é mais artístico? E este tinha ainda uma grande mensagem política. Nós estamos falando de um período específico e eventos reais e isso impacta as pessoas. Mas não acho que o filme force o seu caminho. Você é levado pelos personagens.

Se isso mudou a minha visão do mundo? Bom, era algo que eu já sabia e que acho que todos nós sabíamos. As corporações e grandes empresas ao redor do mundo têm esta responsabilidade com as pessoas e o ambiente de onde extraem estes recursos naturais, por exemplo, não indo a lugares onde há guerras civis para tirar vantagem da situação. E falando do impacto positivo que um filme pode ter em uma indústria, nós vimos isso acontecer com este projeto. A indústria de diamantes provou que pode agir da forma correta.

Como foi trabalhar com Ed Zwick depois de fazer três filmes praticamente sem parar com Martin Scorsese?

Edward Zwick: Estou interessado em ouvir esta resposta (risos)

LDC: Logo de cara eu fiquei impressionado com Ed. Havia este roteiro bem normal que estava rodando por aí. Era uma história simples de dois homens tentando achar um diamante. Foram ele e Marshall (Herskovitz, o produtor), depois de passar um tempo na África, que voltaram dizendo que "Se vamos fazer uma história na África, vamos fazer de uma história de verdade". Este filme é um resultado dessa sua investigação e vontade de desenvolver um longa que é sobre alguma coisa. Fiquei impressionado pela sua inteligência e comprometimento num projeto como este e tentar fazê-lo o mais real possível. Há algumas convenções que fazer este filme interessante para um determinado público, mas eu sei que ele não se importava em incluir os elementos pensando que isso ou aquilo poderia atrair mais gente. Ele não amenizou a história.

Sr. Zwick, havia um rumor de que vocês teriam de mostrar o filme para a indústria de diamantes, que o aprovaria. Existe alguma verdade nisso?

EZ: Não. A indústria está gastando muito dinheiro e vai investir ainda mais é em fortalecer as suas imagens corporativas. É só você ver os enormes anúncios que eles vêm fazendo.

Existem formas de controlar esta indústria hoje?

EZ: O Processo de Kimberley foi criado para tornar o processo joalheiro um ato benigno de consumismo. Acreditar ou não que uma jóia tenha um papel que embeleza ou qualquer outra coisa é algo pessoal. A diferença é que agora, quando alguém compra um diamante, a compra é também política, porque ele resolveu comprar de uma empresa que toma cuidado de como esta pedra chega até ela. Nós não estamos interessados em falar para as pessoas comprarem ou deixarem de comprar diamantes. Nós queremos dizer é que todos nós estamos envolvidos uns com os outros neste mundo.

Como foi trabalhar com Djimon, que é um ator bastante físico e de uma presença muito forte?

LDC: Ele é uma força da natureza quando chega ao set. Ele trazia uma paixão extra por ser um africano voltando à África. Ontem mesmo, na Ophra, ele falava sobre o conceito de família na África, que faz com que você cuide das crianças. Mesmo não tendo filhos, existe este sentimento de que devemos proteger um ao outro. É um dos preceitos básicos para ele e ele sabe muito bem de onde ele veio. Logo de cara, ele já trouxe esta intensidade para o personagem. Acredito que muito do que você vê na tela é uma conseqüência de nós dois termos ficado tanto tempo juntos na África interpretando estes dois caras que eram os opostos. Um que está procurando uma forma de melhorar sua vida e o outro que está atrás do seu filho.

Sr. Zwick, você poderia falar no seu processo de escolha de elenco para este filme?

EZ: Se você vê o trabalho do Djimon nestes últimos anos, você vê algo extraordinário, mas em pequenas doses. Dar a ele a oportunidade de construir um personagem mais complexo foi uma maravilhosa oportunidade. Por ser um africano, ele trouxe algo que eu nem tinha como imaginar. Ele entendia perfeitamente o que o personagem faria em situações como aquelas.

Sobre Leo, o meu interesse era de tê-lo fazendo algo que ele nunca tinha feito antes e que ele o faria de uma forma que mais ninguém conseguiria. O processo de criação de personagem dele é tão intenso e tão sério que, como diretor, você quer que esta pessoa venha e se junte à sua equipe. É péssimo quando você é o diretor e o ator é aquele cara que fica no trailer esperando. O legal é quando o ator vem e traz novos elementos para somar com as suas idéias e juntos vocês conseguem fazer de terceira forma que é ainda melhor. [pára o gravador de alguém e Leonardo DiCaprio vira a fita].

E Jennifer era uma pessoa com quem eu queria trabalhar há muito tempo. Ela é muito inteligente e entende cada palavra do que está dizendo. Mas o melhor mesmo foi ir até a África e achar nas comunidades de Joanesburgo e Moçambique atores e outros tantos talentos por lá. Trabalhar com eles foi tão divertido quanto trabalhar com estrelas conhecidas de Hollywood, porque eles nunca tiveram esta comunidade e eles traziam muita coisa para o projeto. É diferente quando você coloca o Leo frente a frente com um sul-africano que entende tudo o que acontece por ali e ele tem de estar no mesmo nível do cara.

LDC: Cara, quando Kagyso (que interpreta o filho de Solomon) chorou em cena, eu fiquei de boca aberta.

Como você desenvolveu o seu personagem? E como você o vê?

LCD: Eu passei meses pesquisando, conversando com as pessoas e aprendendo o seu vocabulário, palavrões e outras formas de insultar os outros (risos). Como você pede um cigarro, uma bebida. Quais são as atitudes com relação aos Estados Unidos, em relação aos outros. Foi um processo longo. E... eu tinha mais uma coisa para falar, mas eu me esqueci. Desculpe-me por ficar olhando o tempo todo lá para o sol (risos)

Ah, sim, como eu vejo o personagem...

Em uma das primeiras conversas com o Ed, nós tínhamos este personagem que era intrinsecamente um africano, parte da era pós-Apartheid, que viu muito das atrocidades. Mas ele é completamente diferente do seu pai, que viveu em um outro mundo. Na sua tentativa de se ajustar às novas pessoas e lidar com elas, ele entra numa fase de negação de quem ele é, de onde ele vem e procura uma forma de sair do continente, que é o motivo que o envolve nesta história toda. No início, nós falávamos que ele era um personagem que queria escapar de si mesmo, mas que ao longo do filme, quando ele encontra o personagem do Djimon e ver sua busca pelo seu filho, ele começa a ganhar sentimentos. Ele se descobre mais conectado a este povo e o lugar de onde ele veio do que ele jamais tinha imaginado.

O filme é baseado em fatos. Como você trabalhou para equilibrar a ficção com a realidade?

EZ: Esta foi a parte mais difícil e a nossa maior alegria. Nós tínhamos uma situação que realmente aconteceu e tínhamos de fazer jus a ela e ao mesmo tempo tentar dar ao público um motivo para ir ao cinema. O que eu faço é ler muito e também procuro conhecer o maior número de pessoas possível. Eu fui muitas vezes para África e passei bastante tempo por lá. É impressionante como as pessoas gostam de falar com cineastas. Até pessoas do governo, que têm receio de falar com jornalistas, não ligam de falar com cineastas. Mais fácil ainda se você tiver um ator com você. (risos) Então, eu preciso dizer que eu tive uma enorme ajuda. E consegui uma matéria-prima de um jornalista chamado Sorious Samura, que ganhou vários prêmios, é de Serra Leoa e ficou em Freetown (Capital de Serra Leoa) e fez documentários sobre a guerra civil. Foi tão legal conversar com ele e vi ali uma fonte tão importante que eu insisti que ele viesse conosco e trabalhasse como uma espécie de padrinho do filme. Ele sabia das coisas que tinham acontecido lá, não apenas dos detalhes, mas também os sentimentos e isso tem um valor imensurável. Sem ele, o filme nunca seria isso que você viu. E pessoas como ele estavam lá conosco o tempo todo.

Como você conseguiu sobreviver ao estrelato que veio com Titanic e mudar sua carreira de astro adolescente para a de ator sério? E pensando que de A praia para Gangues de Nova York há um intervalo de apenas dois anos, o que mudou neste período de tempo?

LDC: Eu sempre tive esta idéia de ser um ator na indústria do cinema. Desde que eu tinha 16 anos, quando fiz O despertar de um homem (This boys life, 1993) e vi Robert DeNiro trabalhando, colocando aquela gigantesca intensidade no personagem. Aquilo foi marcante para mim, foi algo que me marcou para o resto da minha vida.

Eu sempre tive a mesma atitude sobre atuar e o mesmo comprometimento. Talvez com idade eu tenha desenvolvido mais maneiras de como fazer isso. Mas a paixão sempre esteve lá. E Titanic foi um ponto de mudança. Eu sempre tinha trabalhado em filmes mais artísticos e menores. Titanic era algo que eu queria experimentar.

E se arrepende?

LDC: Nem um pouco! Eu não me arrependo de nenhum dos meus filmes. Alguns podem não ser tão bons, mas me deram a oportunidade de me desenvolver como ator e experimentar novas possibilidades. Foi o me colocou nesta posição de comando, que me traz filmes importantes e que eu ajudo a financiar.

EZ: Eu gostaria de acrescentar que dificilmente faria este filme sem a participação dele. Com certeza seria algo completamente diferente.

Vocês falaram que o roteiro era sobre dois caras atrás de um diamante e mudaram para a história de um cara procurando formas de salvar seu filho e, na verdade, isso acaba transformando o Archer no personagem mais interessante do filme, porque dos outros você sabe o que esperar, mas com ele é diferente. Como você decide uma coisa dessas?

LDC: O crédito deve ser dado ao Leo, que deu ao personagem uma volatilidade e mistério. Archer é um cara que poderia ir para qualquer lado, um cara se descobrindo. Nós discutimos muito isso juntos. E também acho que a justaposição das histórias do homem que quer o diamante e do homem em busca do seu filho criam um sentido, e ajuda a fazer as perguntas que deveriam ser feitas.

Para terminar, uma pergunta para o Leonardo DiCaprio. Quando você acha que é o momento chave do personagem?

LDC: *SPOILER* Pra ser bem sincero, acho que é quando ele leva um tiro. Sério. Isso tem tudo a ver com o que Ed acabou de falar. Nós sempre nos preocupamos em sermos bastante sinceros com os personagens. Demora um tempo para as pessoas mudarem o que elas querem e acho que encarar a morte foi algo que com certeza o fez pensar sobre o que era realmente importante: tentar sobreviver a uma situação a que não havia como sobreviver ou confirmar a conexão que ele teve com este pai e ajudá-lo a se reconectar com seu filho. *FIM DO SOILER* E acho que o mais interessante pela forma como o roteiro foi escrito é você realmente não sabe o que vai acontecer. É algo bem diferente do que se vê por aí.

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