Chega cheia de boas intenções a produção gaúcha Dias e Noites, denunciando violências domésticas e defendendo os direitos das mulheres, mas o amadorismo da realização fala mais alto.
Baseada no romance Clô - Dias e Noites, do escritor Sérgio Jockymann, a história acompanha, dos anos 40 aos 50, a sofrida vida adulta de Clotilde (Naura Schneider), desde seu casamento de conveniência com o fazendeiro Pedro (Antônio Calloni) até a luta pela guarda de sua neta. No caminho de Clotilde - que tem como pano-de-fundo desde o getulismo até a ditadura - outros homens, outras lições de vida.
De reconstituição histórica cuidadosa nos figurinos e nos cenários, com um elenco esforçado que tem o insuperável Calloni como lastro, o longa do diretor Beto Souza (Netto Perde sua Alma) peca na narrativa. Texto e imagens se sobrepõem redundantemente.
Há pouco espaço para que as imagens ganhem autonomia, por exemplo, quando surge a narrativa em off de Clotilde sempre sublinhando o que o espectador deve apreender sozinho. Montar o filme em um imenso flashback não justifica inserir tanto texto explicativo. O didatismo se estende. Só o olhar de reprovação da parteira já diz tudo, mas sempre há o texto a reiterar: "ela vai me criar problemas", "[o bebê recém-nascido] não era menino"...
O aviso no começo da sessão - "baseado em fatos" - dá o tom do filme. O que importa é a lição. A mensagem feminista para ser aproveitada na vida real está acima da construção de um universo ficcional, e Dias e Noites, se não se sustenta como arte, ao menos terá a brevidade de um manifesto.