Filmes

Entrevista

A Assassina | Diretor fala sobre suas experiências e como seus filmes são como uma sequência de belas pinturas

Falamos com o taiwanês Hou Hsiao-Hsien em Cannes

02.05.2016, às 22H29.

Sensação entre os fãs das artes marciais na Europa, onde foi eleito um dos melhores filmes de 2015, A Assassina (Nie Yin Niang no original), thriller capa e espada pelo qual Hou Hsiao-Hsien ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes de 2015, enfim chega ao Brasil. A partir desta quinta-feira, o circuito nacional poderá conferir cenas de luta que impressionaram críticos do mundo todo. Aclamado mundialmente por dramas de tintas existenciais como Um Tempo Para Viver, Um Tempo Para Morrer (1985) e Café Lumière (2003), o cineasta taiwanês de origem chinesa, hoje com 69 anos, apela para todo repertório de filmes de ação acumulados ao longo de décadas de cinefilia para construir uma narrativa capaz de traduzir a violência de modo poético, sem perder a adrenalina. A saga de uma matadora de aluguel na China do século nove recheia a telona com sequências de ação capazes de superar as de marcos como O Tigre e o Dragão (2000), considerado um marco do gênero.

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"Dizem que eu filmo como um pintor, porque cada um dos meus quadros carrega um pensamento muito delicado sobre cores, sobre profundidade, o que me evoca uma memória de menino. No colégio, participei uma vez de um exercício com a minha turma usando tintas e pincéis e notei que eu conseguia fazer vários quadros no tempo em que meus companheiros faziam apenas uma. Isso talvez demonstre certa aptidão prática para as artes plásticas, que eu carrego para o cinema. Mas pintura não é o que me satisfaz: fazer filmes é o que preenche as minhas inquietações. E a inquietação maior aqui era explorar o universo feminino em um universo de muita contradição política na China. Uma China com espaço aberto para a fabulação", explicou Hsiao-Hsien ao Omelete em entrevista em Cannes, onde A Assassina ganhou página inteira de elogios dos maiores jornais franceses.  

Sua trama se concentra numa missão da matadora Yinniang (Shu Qi), que caiu em desgraça diante de seus patrões após ter falhado na tarefa de matar um aristocrata, apiedada dele ao vê-lo com um bebê no colo. Para recuperar sua honra, ela deve cruzar o país e matar seu primo, por quem ela é apaixonada há tempos. O dilema entre o dever e o desejo norteia a narrativa, marcada por sequências de batalha de tirar o fôlego, com toda a sorte de armas orientais.

"Há uma complexidade central para encarar esse filão, quando não se é experiente nele: proteger os atores, que podem sair machucados se não forem experts em luta. Eu passei por essa situação com as minhas atrizes, pois elas terminaram as filmagens com uma série de ferimentos", explicou o diretor, que usou a referência dos filmes de samurai do Japão. "Eu me impressiono com a tradição japonesa dos épicos marciais até hoje pela habilidade com que os diretores administram o realismo na condução e na captação das lutas. Se você não crer na habilidade de um guerreiro em manusear a espada na tela, você perde todo o coeficiente de verossimilhança da trama e perde o coeficiente trágico do que é narrado. Meu cuidado era preservar esse realismo da tradição sem perder o que eu buscava fazer: uma reflexão universal sobre a angústia de escolher um caminho, na vida e na profissão".

Laureado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1989 por A Cidade do Desencanto e ganhador do Grande Prêmio do Júri em Cannes por Mestre das Marionetes em 1993, Hsiao-Hsien começa A Assassina em preto e branco, inspirado em parte pela memória dos longas sobre lutadores de kung-fu que viu quando jovem, adicionando cor a seu longa no momento em que estamos afinados com a inquietação interna de Yinniang. A porção colorida investe ainda mais numa percepção poética da fragilidade humana.   

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"A questão do preto e branco foi quase instintiva para mim, numa reação à violência: estava narrando a história de uma mulher cuja profissão é matar, o que, em si, já me soa assustador. Tirar a cor foi uma forma de diluir a crueldade. Mas a cores entram na hora que ela precisa decidir um caminho", diz Hsiao-Hsien, que contou com US$ 15 milhões para rodar A Assassina. "Tenho muita vontade de fazer mais um filme de artes marciais para ter a certeza de que consigo dominar o gênero. Estava acostumado a fazer filmes muito simples e baratos em quesitos de produção, mas aqui, como se trata de uma reconstituição histórica, era necessário uma verba maior. Dependo do sucesso da aventura de Yinniang para saber se consigo filmar de novo nessa ambientação. Mas, tenho a sensação que é possível, pois criei um público fiel ao longo do tempo".

Com A Assassina, o sexagenário diretor encerra um hiato de oito anos sem lançar longas, no qual se dedicou à direção do Festival de Taipei, em Taiwan, onde vive desde garoto. Nos fim dos anos 1980, ele foi considerado pelos pesquisadores da linguagem cinematográfico uma das maiores promessas para a renovação da arte de fazer filmes. A julgar pelas resenhas publicadas sobre Yinniang, seu trabalho mais recente é um exercício de excelência visual.

"Vivemos hoje um tempo em que Hollywood reina soberana nas salas de exibição, ao contrário do que eu vi nos anos 1960, quando comecei a estudar, e havia uma leva autoral, chamada de cinemanovismo, a partir da qual os longas traziam radicalidade em seu olhar sobre o mundo", lembrou Hsiao-Hsien. "De alguma forma, eu sigo a filmar com a esperança de que os filmes não se rendam à pobreza estética".

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