Filmes

Entrevista

Omelete entrevista: Claudio Torres, o diretor de <i>Redentor</i>

Omelete entrevista: Claudio Torres, o diretor de <i>Redentor</i>

09.09.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

Redentor
Brasil, 2003 - 95 min.
Drama/Comédia



Direção: Claudio Torres
Roteiro:
Elena Soárez, Fernanda Torres, Claudio Torres



Elenco: Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Fernanda Montenegro, Camila Pitanga, Fernando Torres, Stênio Garcia, Enrique Diaz, Jean-Pierre Noher, Mauro Mendonça, Tony Tornado, Lúcio Mauro, Lúcio Andrey, Babu Santana, Rogério Fróes, Louise Wischermann, Paulo Goulart, Tonico Pereira, Guta Stresser, José Wilker

Difícil sair de trás da sombra dos pais quando eles são Fernanda Montenegro e Fernando Torres. Mas Cláudio Torres, que já é um respeitado diretor de publicidade, está trilhando seu caminho. No longa Traição (1998), ele e seus sócios na Conspiração Filmes fizeram um episódio cada e assim começavam a montar seu portfólio. Agora, chegou a vez de voar solo e o cenário escolhido é o Rio de Janeiro, a maravilhosa cidade que tem favelados e peruas fazendo compras no mesmo mercado. E é este caos urbano que Torres escolheu para mostrar em Redentor, filme que tem no elenco Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Camila Pitanga e (por que não?) Fernanda Montenegro, Fernando Torres e até a irmã Fernanda Torres, que o ajudou a escrever o roteiro.

Cláudio recebeu o Omelete e outros jornalistas para uma conversar e falou um pouco dos quase dez anos que demorou para tornar Redentor uma realidade. Antes de começar a entrevista, ele perguntou se alguém tinha cigarros, pois os dele tinham acabado. Mas não faça uma idéia errada. Cláudio não parecia ser um daqueles caras estressados que fuma um atrás do outro. A conversa fluiu tão solta que no final estávamos discutindo Histórias em Quadrinhos, este sim um vício que ele não faz a menor questão de esconder.

Antes de começar a ler a entrevista, é bom você saber que há alguns SPOILERS sobre o desfecho de personagens chave.

Como é fazer seu primeiro filme com um elenco destes?

Acho que o difícil é você trabalhar com um elenco ruim. Eu tive cuidado de me cercar com pessoas mais experientes do que eu. No caso do Pedro e do Miguel, além de atores, eles são autores, diretores e produtores. Minha mãe é um caso à parte, pois é uma atriz com uma experiência de 50 anos de dramaturgia. No fundo, acho que a direção de ator no filme é dada na hora que você escolhe o elenco. Isso é 98%, o resto é o que eu aprendi quando criança, que são as coisas que um ator não gosta. Por exemplo, um ator não gosta que você diga como ele deve falar, ou então quando ele não sabe o que está fazendo na cena. Ele precisa saber do contexto. Talvez as coisas mais ousadas foram as participações especiais. Eu tinha o cuidado de escrever uma cena boa para cada ator que eu convidasse. Foi assim para o Paulo Goulart, pro Mauro Mendonça, o Wilker, a Suely, a Guta...

Como era para você ouvir o Pedro chamando sua mãe de ‘mãe?

O Pedro inclusive roubou de mim a expressão ‘minha mãe porque eu chamo minha mãe de ‘minha mãe. Eu chego e falo ‘O minha mãe, chega aqui, vem mais para cá, um pouco mais para lá, minha mãe.

Desde o começo, a idéia era dar um tom de comédia, por isso a escolha de atores cômicos, como Pedro e o Miguel?

Eu sabia que eu não estava fazendo uma comédia no seu sentido mais clássico, mas como os diálogos do filme eram muito corrosivos, eu sabia que se eu os colocasse na boca de quem entende o tempo do humor, mesmo propondo para eles uma ação dramática, eu teria como resultado um filme dinâmico, com o censo de humor. A gente ia falar de assuntos terríveis. O protagonista começa morto num lixo.

No momento, estamos demarcando o território do cinema brasileiro. Até antes do Cidade de Deus, um filme sem ator conhecido e que falasse de bandido, não faria sucesso comercial. Aí, vem o Cidade e leva três milhões [de pessoas ao cinema]. Depois, se você fizesse um filme em uma cadeia em que um monte de gente morresse, não seria comercial, e vem o Carandiru e quebra as bilheterias. E depois vem um filme como Cazuza. Pô, anos 1980, homossexual, maconheiro, o cara morre de AIDS, como é que o povo vai gostar deste filme? Tá lá 2 milhões de pessoas. Então, os especialistas de mercado não têm mais certeza do que pode ou não dar certo. E é interessante viver tudo isso. Nós viemos de uma paralisação total há 10, 12 anos. Passamos por um período de filmes autoriais, como Central do Brasil, Carlota Joaquina, mesmo o Eu, Tu, Eles, que conseguiram atingir o público e conseguiram falar com 800 mil, 1 milhão, 1,2 milhões. Mas a verdade é que hoje em dia, a gente tá colocando 3 milhões, 4 milhões, né? Isso é bom de ver! Não que todo filme tenha que fazer 4 milhões. O Redentor jamais vai chegar lá, mas é importante ter o que faz 4 milhões, o que faz 100 mil e o que faz 200 mil.

O que tem de influências no seu filme?

No cinema nacional, tem três filmes que me impressionaram muito. Macunaíma (de Joaquim Pedro de Andrade, 1969) - quando vi lá o banquete antropofágico, falei "porra, dá para fazer isso no Brasil". Tudo bem (de Arnaldo Jabor, 1978) - quando mostra o fantasma do Paulo Gracindo e a santa no fundo do edifício de Copacabana. E um pouco o Bye Bye Brasil (de Cacá Diegues, 1979), pelo que ele foi na época. Era um road-movie brasileiro que tinha o jeitão da televisão e o José Wilker fazia nevar e aconteciam coisas estranhas. Era um filme divertido e ao mesmo tempo non-sense .

Lá de fora, assisti a Os dez mandamentos (de Cecil B. DeMille, 1956) quando era moleque e a gelatina abrindo... achei aquilo sensacional. 2001- Uma odisséia no espaço (de Stanley Kubrick, 1968), eu vi 21 vezes. Todas no cinema. O Cristo é o monolito no meu filme. Eu vi 2001 pela primeira vez quando tinha 6 anos e fui rever quando tinha 10 e eu tinha na minha cabeça que o monolito era uma cruz... Quando eu vi o filme pela segunda vez foi que eu vi que não era uma cruz. Pra você ver como eu sou católico (risos). E tem mais. Planeta dos Macacos 1 e 2 eram os meus filmes da infância. O Cidadão Kane ... a cena do Wilker falando "O futuro... o futuro..." é "Rosebud... Rosebud... " direto na veia.

A narrativa póstuma vem de Machado de Assis?

Temos lá o nosso Braz.

Mas é só Machado de Assis?

Não. Tem O destino bate à sua porta (The postman always rings twice, de James M. Cain). No filme não tem isso, mas no livro, tem a frase que é "foi assim que eu morri" e a história continua. Pô, o cara morre, mas continua escrevendo (risos). Que mais? Ah, se espremer ali tem muito mais coisa. Lógico que eu gosto de Tim Burton, gosto dos irmãos Coen.

Você diz que teve como referência filmes bíblicos. Como é tratada a religião em sua casa?

A minha mãe é católica mesmo, reza muito. O meu pai é comunista ateu. Eu fui batizado, não fiz primeira comunhão, mas fui criado como um católico, então, o Deus que eu espero que exista é o Deus cristão e acho que o pouco que eu conheço da religião, eu gosto da idéia do sacrifício, gosto do perdão, gosto do oferecer a outra face e do amor.

Eu gostaria muito que as pessoas entendessem que é um filme que tem a intenção de ser respeitoso com a fé cristã porque se tem alguma mensagem é "temos que repartir a mala e perdoar uns aos outros". E acho que faço a mesma coisa que a Igreja fez ao manter o primeiro testamento junto ao segundo. O Velho testamento diz que tem um Deus que é poderoso, Ele queima cidades, abre mares, manda dilúvios e agora ele tá quieto porque mandou o Filho Dele para a Terra. Mas é este Cara que você vai encontrar lá na frente quando você morrer ou no Juízo Final. O filme passa esta estrutura.

Seu filme chega aos cinemas no mesmo dia que Irmãos de fé , do Padre Marcelo. Como será a concorrência?

Espero que eu consiga roubar um pouco do público dele, talvez algumas pessoas entrem sem querer no meu filme (risos) O cartaz tem lá o Cristo, Deus também está neste filme (risos)

Você acha que daria para fazer este filme aqui em São Paulo também, ou teria que ser no Rio, pela linha fina que separa os burgueses das favelas?

O Rio neste ponto cabe mais no quadro. São Paulo é uma cidade mais plana, então acho que o Rio experimenta antes do resto do Brasil a crise social pela aglutinação. Mas acho que a história poderia ser aqui, sim. Teve bastante movimento dos sem teto por aqui.

Mas o Cristo tá lá, né? (risos) Aquele prédio é incrível. Você vem pelo Paraíso, sobe o prédio e desce na favela. Aquele plano existe, ele não é trucado. Há dez metros do prédio tem mesmo a favela e do outro lado é a lagoa da Barra da Tijuca.

Falando com a Camila [Pitanga], ela disse que vocês gravaram um fim pro personagem dela com uns marcianos. Que papo é este?

A gente filmou a banda de hip hop e ela estava vestida de Barbarella, com uma pistola de raios na mão. Outras coisas não usadas são a minha mãe na casa do Miguel, o Estênio e o Babu num apartamento, mas ali já tava na hora de terminar. Tinha pensado em fazer algo tipo Shrek, ao lado dos créditos, mas já tinha tantos finais que imaginei que o povo ia ficar cansado. Tem um limite de quanto você consegue esticar. Acho que o filme tem um final social quando ele é atirado pela massa que ele incitou, mas não soube controlar. Tem a mensagem do filme. Tem o final freudiano, que é ele se resolvendo com o pai e depois ainda tem o final do musical na cadeia, que é outra referência minha, de Irmãos Cara de pau (de John Landis, 1980) e Primavera para Hitler (de Mel Brooks, 1968). Naquela hora eu pensei "vou fazer o meu musical de cadeia também" (risos)

O que te levou a fazer este filme? Você tinha outros roteiros para a sua estréia?

Depois de Traição, eu comecei a procurar um tema para o longa. Eu não tinha um livro que tivesse as coisas que me dessem tesão, então parti para uma história original. Eu tinha, na verdade, duas vontades. Uma é mostrar o caos social, porque eu vivo numa cidade que isso é urgente de ser mostrado. Outra coisa é que eu queria fazer um filme divertido. Pareciam duas coisas antagônicas, mas eu queria um filme que juntasse isso. Algo como:

- "A saída é por aqui."
- "Pela merda?"
- "Pela merda!"



[o trecho acima é um dos diálogos do filme]

O nome do publicitário Washington Olivetto aparece nos créditos. Qual foi a participação dele?

O Washington acreditou em mim como diretor de publicidade. Ele tinha visto uns clipes e precisava fazer uns comerciais e não tinha dinheiro. Eu bati lá e ele falou ‘faz aí. Eu filmei para ele, sei lá, uns dez anos. Ele é um homem muito inteligente e ajudou muito a me formar. Devo a ele. Ele deu uma força na Conspiração. A gente não filmava para ninguém além da W/Brasil.

Como está o rodízio da Conspiração agora? Qual o prazo para seu próximo filme?

A idéia do rodízio era fazer com que cada um tivesse a chance de ter sua barraquinha de cachorro-quente. O diálogo agora é com o distribuidor. Não adianta pensar que o jeito é correr atrás de patrocinadores sozinho. A força está nas majors e na Globo. Agora, eu tenho o meu cartão de visitas e da próxima vez que eu tiver um roteiro, eu vou chegar numa Warner, numa Columbia e dizer ‘este é o tipo de cinema que eu sei fazer e este foi o desempenho que eu tive no mercado internacional, este no mercado interno e este é meu próximo roteiro. Aí o distribuidor vai ou não se interessar. Em seguida, o próximo passo é ver se a Globo topa. E aí, com as duas forças juntas, você capta [recursos] com mais ou menos facilidade.

E você já tem um próximo roteiro?

Estou escrevendo um roteiro que se chama A mulher invisível, que por incrível que pareça, não tem efeitos especiais. É a história de uma mulher que não existe. Vai ser uma produção menor e que eu pretendo fazer mais rapidamente. Tem um quê de O homem que não estava lá e também um pouco de O amor é cego.

Legal que você não tem medo de falar que é influenciado por Mel Brooks, ou pelos irmãos Farrely.

Pô, mas é verdade! E sou muito influenciado também por quadrinhos. Sou um leitor terminal de HQs. Eu compro X-Men nas bancas e fico esperando o próximo. Também leio Alan Moore , Frank Miller ...

Acho que o cinema descobriu agora o gibi de linha, estão fazendo todos, mas logo logo alguém vai filmar o Cavaleiro das Trevas e vai chamar o Clint Eastwood para fazer o Bruce Wayne.

O que é que te chama tanta atenção nos X-Men que te deixam tão ansioso?

É que o Grant Morrison fez uma coisa muito parecida com o que o Frank Miller fez no Batman. Ele passou a limpa e inventou um negócio completamente novo. Pra você ter uma idéia, a Rainha Branca tá tendo um casa telepático com o Ciclope e ela se transforma na Fênix Negra para trepar com ele e a Jean Grey chega e pega os dois no flagra, com a Rainha abrindo o zíper do macacão até o último. Sensacional!

E vamos ver o que vai acontecer no terceiro filme dos X-Men. A Fênix tá mais do que certa por lá, né?

Vai, vai estar lá. Mas a grande sacanagem é o lance da Vampira não trepar. Porque se ela usa a luva e pode apertar a mão de alguém, porque não pode colocar camisinha? (risos) Que ridículo... nós terminamos esta entrevista falando de X-Men. (risos)

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