Filmes

Entrevista

Festival de Berlim 2016 | "Mãe Só Há Uma é sobre ser autêntico", diz diretora de Que Horas Ela Volta? sobre seu próximo filme

Novo longa de Anna Muylaert foi ovacionado em sessão na capital alemã

13.02.2016, às 09H28.

Cerca de um ano depois de ser premiada no Festival de Berlim com Que Horas Ela Volta?, o filme xodó do Brasil em 2015, a cineasta Anna Muylaert tem tudo para repetir o feito com Mãe Só Há Uma. Seu novo longa-metragem esgotou ingressos na mostra Panorama, aqui na capital alemã, onde arrebatou quilos de aplausos com diálogos de arder no peito e cenas de um humor desconcertante, mais o para padrão de uma fina comédia europeia do que para o das neochanchandas nacionais da moda. Ovacionada, a produção de R$ 1,8 milhão põe na boca de (um inspiradíssmo) Matheus Nachtergaele falas do tipo “Qual é o limite para não perder você?” ou “Tá difícil entender como te amar” referindo-se a um adolescente de 16 anos cuja sua vida vira do avesso ao descobrir que foi roubado na maternidade pela mulher a quem sempre chamou de mãe. Natchergaele vive o pai do tal rapaz, interpretado pelo estreante Naomi Nero, que deixou a Berlinale embatucada pela alta voltagem de dor que imprime a cada gesto.

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Cena de Mãe Só Há Uma, com Mateus Nachtergaele

“O amor é a mais importante identidade que uma pessoa pode carregar. E alguém que perde sua identidade afetiva não é mais nada”, disse Anna, ao Omelete, logo após a projeção, coroada com palmas calorosas, assobios e loas de um público pagante que desembolsou 11 euros pelo ingresso. “Esta é a história de alguém que, ao se afastar da mãe e ganhar uma outra, hiperpresente, traz para fora o que estava oculto”.

Com uma comicidade mais abrasiva do que seu habitual, Anna adota como foco de Mãe Só Há Uma o processo de autorreivenção do jovem Pierre, papel de Naomi, ator paulistano iniciante, de 18 anos, que é sobrinho do astro Alexandre Nero, o Romero Rômulo da novela A Regra do Jogo da Rede Globo. Desde já ele é encarado como “a” revelação desta Berlinale, em todas as latitudes (competitivas ou não) do evento. Nas raias da androginia, com um visual decorado a unhas pintadas e calcinhas fio dental bem cravadinhas, Pierre tem suas eleitas, a quem beija e bolina quando quer, numa rotina bem resolvida entre estudar e tocar guitarra numa banda. Mas, um dia, ele fica sabendo que sua mãe, Aracy (Dani Nefusi), sequestrou-o quando ele ainda era bebê. A notícia é seguida por outro choque: seus pais biológicos, Matheus e Glória (vividos por Nachtergaele e pela própria Nefusi, num jogo edipiano de espelhamento de papéis), querem levá-lo para casa e dar a ele todo o carinho que ficou engavetado. De cara, querem chamá-lo do nome com o qual ele seria batizado: Felipe.

“Existem mães hiperausentes que podem afetar muito uma pessoa. E o mesmo pode se dar com as mães presentes demais. Todas essas relações familiares, para mais ou para menos, determinam nosso ir e vir na alegria, no equilíbrio”, disse a cineasta, que vinha (sem necessidade) dizendo em entrevistas pregressas que este era um “filme simples, sem pretensões” para evitar comparações com Que Horas Ela Volta?. “Este não é um filme sobre se sentir bem e sim sobre como ser autêntico”.

Nesta reflexão sobre autenticidades, Matheus e Glória são apresentados como dois retrógrados, sexistas e no limite da breguice. Eles são artifícios que Anna encontra para dilacerar as hipocrisias nas convenções sociais, expressas em cenas nas quais os constrangimentos vividos por Pierre despertavam reações de nervoso na plateia da Berlinale, expressas em gargalhadas e engasgos coletivos. A trilha sonora é um trunfo a mais para assegurar o quão contemporânea é a narrativa. E nela, Pierre ganha também um irmão mais moço, Joca (Daniel Botelho), que terá um papel crucial na adaptação do protagonista à realidade que se desenha para seu futuro.

“Entre as muitas diferenças que existem entre este filme e Que Horas Ela Volta?, a que mais me importa é o fato de deixarmos as mães de lado e procurarmos os irmãos. Partimos da verticalidade da autoridade materna para a horizontalidade que existe na fraternidade. Nela, todos são iguais”, diz a cineasta, que rodou Mãe Só Há Uma enquanto finalizava a pós-produção do longa com Regina Casé. “Filmamos a história de Pierre todo com câmera na mão”.

Neste sábado (13), a Berlinale confere outro longa brasileiro: Antes o Tempo Não Acabava, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, também da seção Panorama. Até agora, entre os concorrentes ao Urso de Ouro já exibidos, o festival torceu o nariz para um filme canadense sem pé, cabeça ou conteúdo (Boris sans Beatrice, de Denis Côté), digeriu sem azia uma insossa love story tunisiana (Heidi, de Mohamed Ben Attia) e só teve momentos de excelência enquanto Jeff Nichols brincava com a cartilha da ficção científica no imperdível Midnight Special. E ainda tem muita coisa pela frente até o encerramento, no dia 21, inclusive um longa filipino de oito horas de duração: A Lullaby to the Sorrowful Mystery, de Lav Diaz. Vejamos...

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