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Certa vez ouvi de um cineasta que se a crítica exalta muito a fotografia de um filme é porque o diretor não fez seu trabalho direito. Na maioria dos casos é isso mesmo. Na falta de assunto, uma sucessão de lindas cenas, pintadas na tela grande, costuma impressionar a platéia. Felizmente, não é esse o caso em Fora do mapa (Off the map, 2003), filme baseado na peça de Joan Ackermann (que também adapta o roteiro).
No longa independente, dirigido pelo ator Campbell Scott, o cenário é parte integrante da trama e sua retratação é imprescindível para que a história faça sentido. Assim, coube ao veterano diretor de fotografia espanhol Juan Ruiz Anchía (Confidence, Spartan) a tarefa de transformar o interior do estado norte-americano do Novo México no quinto personagem principal de Fora do mapa. E ele é extremamente bem-sucedido em sua função. O deserto surge lindo, em tons diversos, e mesmo a noite é registrada com enorme sensibilidade.
O cenário é importante porque, segundo crenças locais, é um local de enorme poder. Berço dos índios Hopi, dos quais a personagem Arlene (Joan Allen) carrega o sangue, essa terra árida é sagrada e capaz de mudar aqueles que nela se aventuram. Jim Morrison (1943 – 1971), o poeta e vocalista da banda The Doors, por exemplo, atribuía ao local a inspiração para diversas de suas canções e dizia que foi um acidente presenciado na estrada que corta o deserto que alterou sua vida para sempre.
Toda essa carga mística é quase palpável no longa, apesar dele não tratar diretamente o tema. Na história, isolados no meio de um vale, uma família de três pessoas e seu amigo freqüente (J.K. Simmons) enfrenta um mal moderno, algo que não se espera numa vida simples: uma depressão. O inventivo marido de Arlene, Charley (Sam Elliott) passa há meses por uma tristeza profunda que lhe tirou a disposição. Vive recostado, contemplativo. Às vezes chora sem motivo. Sem a ajuda do esposo, Arlene e sua esperta filha, Bo (Valentina de Angelis, um achado), tocam os afazeres domésticos de uma existência sem rendas. Comem o que plantam ou caçam e seus confortos do lar são aqueles recuperados de um pequeno depósito de lixo, devidamente consertados.
Curiosamente, apesar do orçamento quase inexistente do trio, uma carta da Receita Federal chega certo dia, avisando que serão auditados devido a falta de declarações de renda nos últimos anos. Pouco tempo depois, aparece o agente da receita (Jim True-Frost) e o que deveria ser uma rápida visita de inspeção torna-se uma longa estadia. Ao ser picado por uma abelha, o alérgico fiscal convalesce. Mas conforme passam os dias e voltam suas forças, aumenta o interesse do homem pelo estilo de vida daquela família... e o local começa a exercer sua estranha força sobre ele.
O diretor Campbell Scott opta por uma narrativa lenta, com poucos acontecimentos realmente significativos. Em certos momentos, parece até filme iraniano: Deserto, céu, longos silêncios e repetição. Mas como nas produção do Oriente Médio, o resultado é poético. A segunda metade, principalmente, é bastante emotiva, sem precisar apoiar-se nos apelos fáceis. Parte desse sucesso não pode deixar de ser creditada a Allen e Elliott (ele quase não fala, algo bastante inusitado já que é conhecido justamente pelo tom gutural de sua voz). Ambos tornam os silêncios devastadores com um desempenho excepcional.
Fotografia impecável, direção segura, atuações convincentes... parece que os poderes do Novo México funcionam mesmo...
Ano: 2003
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 105 min
Direção: Campbell Scott
Roteiro: Joan Ackermann
Elenco: Valentina de Angelis, Joan Allen, Sam Elliott