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Bodas de Papel

Uma paixão que quer ser lembrada, na cidade que ganhou a chance de não ser esquecida

15.05.2008, às 18H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H36

A cidade fictícia de Candeias, no interior de São Paulo, foi evacuada pelo governo porque estava no mapa de uma nova hidrelétrica que inundaria a região. Curiosamente, o projeto foi abandonado, e agora cabe aos antigos e aos novos moradores repovoar a cidade inteira, comprar de volta as casas que venderam, montar de novo o velho negócio.

É nesse cenário que se passa a história de amor central de Bodas de Papel, segundo filme do cineasta paulista André Sturm (Sonhos Tropicais, 2002).

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Vendido como a estréia no cinema da global Helena Ranaldi, o filme se apóia solidamente na beleza da atriz para narrar o início do romance da personagem dela, Nina, que cresceu em Candeias e agora volta para gerir o hotel da cidade, com o arquiteto argentino Miguel (Darío Grandinetti), que apareceu por lá para ajudar na renovação da casa de uma cliente. O insólito caso da cidade que ressuscitou é o que desencadeia o encontro dos dois, e a partir daí, como tema dominante, a "questão Candeias" cede espaço à história de amor.

Entretanto, a idéia de um lugar que perdeu seus registros e agora procura construir novos percorre o filme inteiro de forma não-dita. As construções estão como foram deixadas, mas as pessoas não estão mais lá. Como Candeias lida agora com suas memórias? E as pessoas que estão retornando: como refazer do zero uma imagem daquilo que houve um dia? Bodas de Papel não é nenhum Narradores de Javé - no primeiro o anseio de registrar uma história está no subtexto, no segundo esse anseio é o próprio mote do filme - mas nos dois o senso de urgência é o mesmo.

Consciente ou inconscientemente, Sturm e seus co-roteiristas Adriana Lisboa e Flávio Carneiro enchem o filme de referências a essa ânsia de registrar uma nova história. Quando já se torna conhecido em Candeias, Miguel ganha um "RG" do dono do boteco. Ao mesmo tempo, incentiva Nina a montar uma galeria para as aquarelas que ela pinta (tanto a galeria quanto os quadros em si são uma forma de registrar experiências). A vontade de eternizar toda efemeridade - na cidade que quase deixou de existir tudo agora pede para ser lembrado - pode se traduzir até mesmo em um vaso de flores ou em uma fábula que se conta geração após geração.

Ora, as bodas em si - nem que seja a mais básica, de papel, que celebra um ano de relacionamento - já são um esforço de tornar relações algo documentado. Por uma ironia dos realizadores do filme, Miguel se enraiza em Candeias da forma mais definitiva possível, mas não vamos contar muito para não adiantar as surpresas.

Bodas de Papel não é um filme de execução perfeita, longe disso. O roteiro tropeça (a difícil escolha de Miguel é "facilitada" por Sturm no meio do filme quando acontece uma fatalidade), não ficamos conhecendo a cidade e seus moradores o suficiente, as falas literais truncam os diálogos e o jogo de perspectivas é frequentemente amador (quando não constrange, a exemplo da cena em que o sedutor Grandinetti olha nu para a câmera). Ajudaria muito se o diretor de fotografia Fábio Cabral tivesse usado uma Steadycam para controlar o treme-treme nas cenas com a câmera na mão. Não há, em muitas dessas cenas, justificativa dramática para as constantes passagens de tripé para câmera na mão, e a fruição do filme fica prejudicada com essa falta de rigor na mise-en-scène.

De qualquer forma, fica valendo a definição truffautiana de "filme doente", aquelas obras cuja criação defeituosa é compensada pela transparência de intenções. Paixões arrebatadoras são sempre maltratadas no cinema com aqueles clichês "ardentes", e Bodas de Papel enfim trata uma dessas paixões com o devido frescor.

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