Filmes

Crítica

Era Uma Vez Eu, Verônica | Crítica

A classe média vai ao paraíso

17.10.2014, às 14H40.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

Tradicionalmente o mar é um ponto de fuga no cinema. Encerrar um filme numa praia deserta é o clássico final aberto que sugere tanto um beco sem saída quanto um mundo de oportunidades. O mar em Era Uma Vez Eu, Verônica, porém, tem outro significado. Pela própria peculiaridade da praia no Recife, com seu arrecife que cria uma piscina natural na orla, o mar no novo filme de Marcelo Gomes não é uma fuga e sim uma constante.

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É um "mar morno", nas palavras da protagonista Verônica (Hermila Guedes), recém-formada em Medicina e residente de psiquiatria num hospital público da capital pernambucana. Como boa parte da classe média que prosperou nos anos Lula, Verônica contempla o paraíso pela frente: concluiu a faculdade, tem um emprego estável, uma casa própria que divide com o pai. Por que Verônica parece então tão insatisfeita com esse futuro de mar morno é a questão que o filme coloca ao espectador.

Como a cura pelo diálogo é um elemento central da psquiatria, essa é uma questão que Verônica também se coloca, em cenas em que conversa com um gravador, como se fosse paciente de si mesma. Esse flerte com o didatismo torna Era Uma Vez Eu, Verônica um dos filmes mais acessíveis da pós-Retomada a discutir inadequação e fuga. Hermila aqui parece viver uma versão mais articulada da Suely de O Céu de Suely (2006), novamente formando com João Miguel uma dinâmica homem assentado/mulher inquieta - e se o contexto econômico muda de um filme pernambucano a outro é para poder acompanhar a própria transformação de classes no Brasil nesses últimos anos.

Inteligentemente, Gomes identifica os dilemas dessa nova classe média num registro semidocumental, sem tipificar comportamentos: no hospital, há o paciente que duvida dos médicos (porque duvida do Sistema, acima de tudo), há o jovem paralisado pelas perspectivas da vida, há a senhora castigada pela depressão. Quando o pai de Verônica conta que briga direto com a administradora do prédio, mas que "apartamento é bom porque tem segurança", o que isso significa? O que esses relatos todos dizem sobre a sociedade que estamos construindo? Saber escutar é essencial para perceber o mundo mudando à nossa volta.

Se o drama de Verônica se externaliza no corpo - a médica identifica em si uma aversão ao romance e uma tendência ao sexo como escape - é porque Gomes entende que a questão social é antes de mais nada uma política do corpo, de ocupação de espaços. Quando filma a aeróbica ou o futebol de areia, Era Uma Vez Eu, Verônica sabe que é ali, naquele espaço da praia e do mar diariamente aberto à ocupação, que o coletivo se estabelece de uma forma mais orgânica (e obviamente cinematográfica).

As cenas de nudez e sexo grupal do filme acontecem então na praia, e não numa cama, porque são um manifesto - similar ao de Febre do Rato - pela reivindicação do espaço público. Em Era Uma Vez Eu, Verônica, a protagonista diz que as pessoas vivem com medo do futuro. Se a classe média alcançou o paraíso, então, que assuma essa responsabilidade e o habite sem medo.

Era Uma Vez Eu, Verônica | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo
Era uma vez eu, Verônica
Era uma vez eu, Verônica
Era uma vez eu, Verônica
Era uma vez eu, Verônica

Ano: 2012

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Duração: 90 min

Direção: Marcelo Gomes

Elenco: Hermila Guedes, João Miguel, W.J. Solha

Onde assistir:
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