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“Snoop Dogg é um dos caras mais profissionais com quem já trabalhei”, diz produtor brasileiro de estrelas da música

Há 20 anos nos Estados Unidos, Wagner Fulco já produziu nomes como Elton John, Bob Dylan, Antonio Banderas e Guns N’ Roses

29.04.2016, às 15H18.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 21H02

Há poucos brasileiros que devem conhecer mais sobre a intimidade de artistas da música (e alguns do cinema) do que Wagner Fulco. Residente nos Estados Unidos há 20 anos, o produtor musical já trabalhou com nomes como Elton John, Alanis Morissette, Bob Dylan, Guns N’ Roses, Ricky Martin, Luciano Pavarotti e mais - e, de todos eles, tem “causos” que vão do divertido ao surpreendente, e se misturam com a sua carreira.

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“Eu produzi um disco com vários artistas, muita gente importante, e fizemos um jantar na casa do Antonio Banderas para definir como seria o show de lançamento daquele álbum”, conta Fulco ao Omelete. Na mesa larga, dentro de uma sala imponente, Banderas sentava-se na cabeceira, próximo a nomes como Penelope Cruz, o produtor espanhol Nacho Mecano e o compositor Hans Zimmer (de Batman vs Superman), que sentava-se ao lado do brasileiro, na outra ponta.

“Conversa vai e conversa vem, o Antonio vira e fala: ‘olha, está tudo muito bom, mas vamos fazer o seguinte: o Wagner ali está encarregado. O que vocês quiserem fazer, resolvam com ele”, relembra Fulco, com traços de inglês na fala reminiscentes de mais de duas décadas nos EUA. “Eu estava colocando uma colher de sopa na boca e parei para ver o resto da mesa olhando para mim. Parecia cena de filme.”

São histórias como essa que Fulco vai contar em um musical sobre sua carreira, que será realizado em Guarulhos (SP), nesta sexta-feira (29) e no sábado (30). O produtor conta que a ideia de criar o show veio da curiosidade das pessoas ao saber com quem ele trabalhava, em uma festa na casa do socialite Chiquinho Scarpa, repleta de pessoas que não tinham nada a ver com música. “De repente, todo mundo passou a me perguntar como era fulano ou siclano. Da próxima vez que me perguntarem, vou indicar este musical”, brinca.

A proposta de Fulco com o espetáculo, que mistura monólogos do produtor com encenações e uma banda ao vivo, é evitar o lado “glamour” da indústria musical e mostrar a vida dos artistas além de seus estereótipos. “Antes, eu imaginava que um artista tinha toda uma aura, mas quando você o conhece, vê que ele é alguém como você. Quanto mais me aproximei dos artistas, mais percebi que foi o trabalho duro que os fez chegar onde estão”, conta.

Um dos exemplos que Fulco usa para desconstruir o mito em torno de alguns artistas está no rapper Snoop Dogg, com quem ele já trabalhou. “A primeira coisa que vem na cabeça é que ele fuma o dia inteiro, mas, na verdade, ele é uma das pessoas mais profissionais que eu já vi. Marcou tal hora, o Snoop está lá pra fazer qualquer coisa: pra cantar, pra dançar, pra pular. Não tem essa de esperar o astral do artista virar. E ele está sempre com um cigarro”, diz o produtor, completando: “Eu não fumo, mas do que vejo os outros imagino que a maconha é uma droga que deixa as pessoas mais leves e distraídas. Mas o Snoop foca tanto no trabalho que faz isso funcionar.”

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Um dia, Dogg chamou vários artistas mais novos do que ele para trabalhar em um disco no estúdio de Fulco, o Wawáflow, montado na casa que já foi de Carmen Miranda em Los Angeles “Eles pensavam que trabalhar com o Snoop era fumar o dia todo e já chegaram acendendo um baseado atrás do outro. Uma hora eles caíram no sofá e não levantaram mais”, relembra. “Quando o Snoop chegou e viu o que estava acontecendo, meteu bronca em todo mundo. ‘Vocês acham que eu cheguei onde estou só fumando maconha? Quero ver vocês fumarem, gravarem e fumarem de novo que nem eu’.”

Mudanças

Fulco chegou aos Estados Unidos com um ídolo na cabeça: o guitarrista Steve Vai. Por sorte do destino, foi o primeiro grande artista com quem ele trabalhou - e um dos quais mais tem orgulho. “Além de ser um músico excepcional, ele é um engenheiro absurdamente bom. Aprendi muito com ele, não só sobre gravar e produzir, mas sobre fazer uma música complicada ficar agradável.”

Nestes 20 anos, Fulco viu de perto a maior ruptura da história da indústria musical, quando a internet desmontou os formatos tradicionais de distribuição e venda de álbuns. Para o produtor, a mudança afetou muito o comportamento dos artistas. “Todo mundo achava que só iria se trocar o formato: primeiro o vinil, depois o cassete, depois o CD. Os artistas da época do vinil tiveram um choque muito grande. Eles ficaram mais humildes”, diz o produtor. “Já os mais novos, que começaram nesse mundo, acham que é assim que funciona.”

Os valores também mudaram. “Antigamente, para se produzir um clipe se investia tanto quanto em um filme. Milhões para um vídeo de três minutos. Hoje em dia, qualquer US$ 100 mil fazem um tremendo clipe, que não deve em nada aos antigos em qualidade.”

Fulco também nota uma mudança no estilo dos artistas em relação à composição das próprias músicas. “Até determinado momento, a pessoa era artista porque se dedicava a alguma habilidade: seja tocar um instrumento, usar a voz ou dançar. Depois, o que passou a fazer um artista reconhecido foi sua personalidade”, relembra.

O produtor usa essa comparação para falar sobre nomes do pop cujos discos são compostos por um batalhão de pessoas. “Já trabalhei em álbuns com 20 produtores. Tinha pessoas para escrever as letras, pessoas para encaixar o texto na melodia e, finalmente, chegava o artista para fazer o que falávamos para ele. Não vou citar nomes, mas tem artista famoso, com música na rádio, que é assim”, diz.

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Fulco ressalta essa transformação do artista sem julgamentos negativos, lembrando a controvérsia em torno do Grammy conquistado por Beck com Morning Phase, em 2014 - aquele que Kanye West disse que deveria ser entregue a Beyoncé, com seu disco homônimo. “A Beyoncé não tocou nenhum instrumento, não compôs nem escreveu nada, enquanto o Beck tocou, produziu e compôs”, diz Fulco. “Não estou desmerecendo a capacidade da Beyoncé. São artistas, épocas e visões diferentes. Como venho de um tempo em que, para falar que você toca guitarra, você tinha, de fato, que tocar guitarra, vou tentar defender este lado artístico.”

Outra grande mudança se deu no processo de gravação das músicas, no qual a fita foi majoritariamente substituída pelo formato digital, o que permite a correção de vozes e acordes desafinados com recursos como o auto-tune, que são alvo de críticas por esconder a falta de habilidade de um artista. “Como produtor, acho que ajuda muito. Passei por situações que seriam impossíveis de resolver sem o digital”, diz Fulco. “Há músicas que gravei à vendas nas lojas que precisei gravar palavra por palavra do artista, sem exageros”, revela o produtor, sem criticar o recurso. “Acho que não inibe a capacidade de um artista, e sim multplica. Infelizmente, tem casos em que isso acoberta (a falta de habilidade). Se esses artistas tivessem nascido há dez anos, provavelmente não teriam feito sucesso.”

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