Música

Crítica

Kanye West - The Life of Pablo | Crítica

Uma instalação artística musical

18.02.2016, às 15H03.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40

Honestamente, eu não estava esperando muito do Kanye West em seu novo álbum, The Life of Pablo. O rapper não parecia tão focado no trabalho e, depois de entregar dois projetos tão expressivos, marcantes, diferentes e únicos - My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010) e Yeezus (2013) - eu realmente achei impossível ele se superar. Mas, felizmente, não foi isso que aconteceu. Afinal de contas, mesmo apresentando um certo padrão quando lança um novo projeto, que consiste em falar pra caramba nas redes sociais, falar muita porcaria e parecer meio louco, West consegue publicidade e isso deve ser bom para o bolso dele e, de certa forma, para o público que não buscaria saber o que ele tem de especial.

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Sempre ouvi dizer que a faixa de abertura de um álbum costuma ser descartável, mas aqui, não é o caso, já que "Ultralight Beam" é uma obra de arte que reúne tudo que uma música com alma precisa ter: vozes fortes, letra incrível em conjunto com a amálgama de referências e sonoridades que a canção negra norte-americana consegue compilar da melhor forma possível, com influência dos corais batistas, gritos de aleluia e tudo mais. Isso deixa na cara que West não está para brincadeira. E esse é só o início da jornada pela qual passamos quando partimos para as 18 músicas que compõem o projeto.

Logo em seguida, chega o duo "Father Stretch My Hands Pt. I" e "Pt.II", que desconstroem todo o clima criado na abertura, inserindo uma sequência de colagens e abrindo espaço para as pancadas de graves eletrônicos, mas ainda mantendo o jogo em alto nível.

A música seguinte, "Famous", com participação de Rihanna, é uma daquelas criações que você pensa, como assim? Cheia de nuances e letra incrível, apesar de toda a polêmica causada por causa da frase sobre Taylor Swift.

Essa é uma produção que coloca em evidência todo o talento que Kanye West tem para fazer colagens sonoras. A faixa gruda na cabeça, graças a forma como a melodia se alterna para a inserção de um sample de música jamaicana (BAM BAM - "Sister Nancy"), que transforma a sonoridade da composição. É incrível como West consegue misturar tudo isso, quebrar a cadência sonora com a colagem e criar uma música romântica/não-romântica, que também conta com a voz melodiosa de Swizz Beatz. Porém, a treta está instaurada quando, no início da composição, West faz uma referência não-elogiosa a Taylor Swift. Isso é uma pena, já que essa frase, que poderia ter sido evitada, tira o brilho de uma estrofe como essa:

“I just wanted you to know, (Só queria que você soubesse)
I loved you better than your own kin did (Eu te amei mais do que sua própria família)
From the very start, (Desde o começo)
I don't blame you much for wanting to be free”. (Não te culpo por querer tanto ser livre)

Esse som também destaca outra característica única de West: o uso de sua voz, de certa forma limitada, como um instrumento. (como dito nesse artigo da Thump). Isso faz com que ele seja um dos poucos rappers a soar diferente, mais melodioso, e capaz de explorar sua voz de formas que fogem do convencional em cada um de seus projetos. Pra ter certeza disso, basta ouvir os dois álbuns anteriores. Esse fator, somado a capacidade de encontrar e inserir partes de músicas de diferentes estilos em seus trabalhos, transformam seus álbuns em projetos multifacetados, sempre a serviço de um final singular. E isso, para o cara que foi um dos principais produtores do icônico The Blue Print, do Jay-Z - outra obra fantástica – não deve ser tão complicado, não é verdade? Afinal de contas, West entrega um álbum de rap (?) que desconstrói o gênero sem fugir de algumas das tradições do estilo, tudo com muita qualidade.

A mistura de todos esses elementos é tão bem calibrada que a cada nova música, algo novo salta aos ouvidos. Seja só a voz da intérprete, como em "Low Lights", ou a mistura eletrônica de "High Lights", em seguida. Variedade sonora que garante as canções de West sair de uma pegada orgânica direto para um som eletrônico, sem cerimônia, sempre privilegiando a ideia por trás de cada uma de suas criações. Essa intimidade com as sonoridades eletrônicas torna o rapper um caso completamente diferente de todos os seus companheiros de estilo, até mesmo Jay-Z, já que o menino de Nova York não emplaca nada muito significativo desde The Black Album, enquanto o rapaz de Chicago melhora a cada novo projeto que leva ao mercado.

Com isso em mente, chegam as músicas "Freestyle 4", a confissão rimada "I Love Kanye", e "Waves", com Chris Brown, que apresenta novamente uma sonoridade eletrônica de rádio, perfeita para quando você está descansando na praia.

Em seguida, West apresenta outro grande momento do álbum, "FML", com início lento e climático, seguindo por quase um mantra entoado pelo rapper, que prepara o terreno para a entrada de "Weekend", que deixa a faixa mais melodiosa e recebe novas camadas à medida que o som se desenvolve. Sem dúvida, mais um dos pontos altos dessa criação que levou três anos para chegar a plataforma de streaming Tidal e, posteriormente, ao mundo.

Na sequência, mantendo o momento climático do álbum chega "Real Friends" e "Wolves", com Frank Ocean. Temos mais uma “conversa gravada” em "Silver Surfer Intermission", que abre espaço para uma sonoridade bem orgânica, com cara de lounge, "30 Hours" com André 3000, e chega a uma vibe mais dançante com "No More Parties In L.A.", com Kendrick Lamar.

Fechando a instalação artística - como disse uma amiga - West, nas músicas finais, "Facts" e "Fade", insere pequenas falas de Street Fighter. Sério, você pode não gostar de muita coisa na vida, mas alguém que consegue colocar SF em uma música merece consideração, não é?

Por fim, essa parece uma obra incompleta, mas pronta, bem-acabada. Isso por causa de tantas referências, colagens e tudo mais inserido em sua preparação. É um disco maduro, com momentos para te fazer chorar, outros que não empolgam tanto, mas que não tiram o peso nem mesmo o brilhantismo do trabalho. Um projeto que parece ter sido modificado até o último momento; até o dia em que Kanye tocou a obra completa no Madison Square Garden. Sem dúvida é mais uma peça que eleva o nível do rap/hip-hop em quesitos como composição, colagem, pesquisa e criação musical e tem todos os elementos para se tornar um clássico, não só na discografia de West, mas também do rap/hip-hop norte-americano.

Nota do Crítico
Ótimo

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