As visitas de José González ao Brasil, infelizmente, são tão espaçadas quanto os lançamentos de seus discos. O cantor sueco, filho de argentinos, possui três álbuns lançados; Veneer (2003), In Our Nature (2007) e Vestiges & Claws (2015); e esteve no Brasil também em três oportunidades; em 2007, 2016 e agora, em 2019. No show da última quarta-feira, dia 23, ocorrido na casa de shows Audio, em São Paulo, González priorizou o repertório de Vestiges & Claws sem deixar de fora os sucessos dos demais trabalhos – e até mesmo um cover dos Beatles – na 1h20min de sua apresentação.
A noite começou com a bela “With the ink of a ghost”, faixa que abre seu novo disco, para logo em seguida voltar aos acordes hipnotizantes de “Stay in the shade”, de seu primeiro trabalho. Rotulado como “indie folk” pela crítica, o músico é um grande virtuose do violão. Formado em bioquímica, ele carrega suas preocupações e interesses – sejam eles científicos ou metafísicos – para suas composições.
Em “Down the line”, golpeando o violão de maneira percussiva, o músico fez o público dançar embalado pelos versos “Não lave a sujeira de suas mãos/ Você está cometendo o mesmo erro pela segunda vez”. Antes de executar “What Will” – canção que contém o verso que dá título a Vestiges & Claws – González explica que pensava sobre “o zeitgest, sobre o espírito de nosso tempo, sobre como as coisas mudam debaixo de nossos pés repentinamente, e sobre qual seria nosso legado para as próximas gerações” enquanto a compunha. A canção convida a todos a “lutar por uma causa comum”.
A noite seguiu com as emocionantes “The forest” e “Cycling trivialities”, desacelerando o ritmo e preparando o clima para a lírica “Every age”, que o compositor afirma ter sido inspirada pela fotografia da Terra chamada “Pálido ponto azul”. Em 1990, A Voyager 1, que tinha completado sua missão principal e deixava o Sistema Solar, recebeu ordens da NASA para virar sua câmera e tirar uma última fotografia da Terra em meio a vastidão espacial, a pedido do astrônomo e escritor Carl Sagan. Ao vivo, a canção começou com um longo e belíssimo dedilhado de violão que comoveu o público. Ela conclama a todos a “Fazer o melhor nesta curta estadia/ Construir um lugar em que todos pertençamos”.
“Abram”, próxima música da noite, é fruto das leituras religiosas de seu compositor, tema que corre ao longo de In our nature. Abraão é um personagem bíblico a partir do qual teriam se desenvolvido as principais vertentes do monoteísmo: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Na canção, González encoraja o profeta a acordar ou dormir de vez, já que “Você está sonambulando com uma cabeça delirante/ Você foi programado a muito, muito tempo atrás/ Suas histórias são antigas, e sua aclimatação é lenta”. Em seguida, em “Leaf off/The cave” o cantor convida a todos a parar um pouco e “reflita sobre quem você é/ Deixe que a razão o guie”. “Open book”, que veio na sequência, encerra o repertório do novo disco.
Para surpresa de todos, enquanta afinava seu instrumento, o violonista arranhou os primeiros acordes de “Blackbird”, dos Beatles, “essa é umas das primeiras canções que aprendi a tocar”. O público acompanhou o cantor e seguiu cantando junto até a última canção da noite, um dos grandes sucessos de González, “Killing for love”.
O bis foi composto por “Crosses”, “Heartbeats” e pela indefectível “Teardrop”, canção do Massive Attack em que González mostra sua incrível capacidade musical: primeiro introduz o tema da canção com um dedilhado realizado pelos dedos indicador a mindinho da mão direita, em seguida começa a cantar para, logo depois, ainda realizando o primeiro dedilhado, introduzir o baixo com um forte dedilhado do polegar da mesma mão. A impressão é que existem dois ou mais músicos no palco, e a reação do público é sempre a mesma, trazendo a casa abaixo.
José González é um grande músico, ainda desconhecido por boa parte do público brasileiro, que merece ser trazido mais vezes ao país para tocar em locais à altura de sua obra. Seu repertório, sempre tão candente, lírico e, por vezes, melancólico, casaria muito bem com a ambientação de teatros e até mesmo de salas de concerto. Um show obrigatório.