Música

Crítica

Lou Reed e Metallica - Lulu | Crítica

Se a ideia da colaboração já parecia ser ruim, o disco é pior ainda

04.11.2011, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 11H01

Entre as mais diversas colaborações que já aconteceram na história do rock, a que mais recentemente ganhou notoriedade é também uma das mais inusitadas: Lou Reed e Metallica, que se uniram para gravar o disco duplo Lulu. O ex-vocalista da banda The Velvet Underground e o grupo de metal mais conhecido do mundo têm históricos obviamente distintos, tornando igualmente óbvias a surpresa e a curiosidade do público sobre o projeto. Como poderiam dois artistas tão diferentes combinar?

O primeiro single do álbum, "The View", veio a ser o maior exemplo da principal e mais evidente falha de Lulu. Basicamente, é um disco onde Lou Reed fala (leia-se, não canta) suas letras, enquanto o Metallica toca o seu típico metal. Pode parecer uma descrição simples e redutiva, mas é a mais apta. O problema está no fato de que a química entre a voz de Reed e o metal simplesmente não existe. A combinação dos dois artistas é tão natural quanto um mash-up de um audiobook de poesias de Reed juntado a demos instrumentais do Metallica; ou talvez ainda menos natural que isso.

Essa ausência de qualquer simetria na colaboração era exatamente o que parecia ser errado no conceito da parceria - e, no decorrer do álbum, efetivamente dá errado, de maneira desastrosa. É cômica a forma como Reed repete "Fru-fru-fru-frustration" ou "Pumping blood", sobre os riffs pesados das faixas de mesmo título. Se um humorista decidisse, há um ano, realizar uma paródia de como seria um eventual lançamento de metal do cantor, ele provavelmente soaria assim. Conforme o disco progride, a completa falta de química entre os estilos musicais de cada artista se torna mais evidente, ora transformando o cômico em trágico.

As contribuições de cada metade da parceria não são particularmente ruins, por si só. A instrumentação do Metallica está longe de reinventar o metal (como já fizeram vez ou outra), mas exibe uma consistência próxima àquela que desenvolveram em Death Magnetic (2008). Infelizmente, a constante presença de Lou Reed torna até os melhores arranjos do Metallica praticamente impossíveis de se aproveitar. Enquanto isso, a reação dos fãs do cantor pode, ocasionalmente, ser oposta à dos fãs do Metallica, acolhendo Lulu como algo experimental e inovador, mesmo que desagradável em sua sonoridade. Porém, esses casos certamente serão raros e isolados.

Durante algumas canções, um princípio de alinhamento sonoro parece surgir entre os artistas - mais especificamente, aquelas em que James Hetfield (vocalista do Metallica) divide os refrões com Reed. É o que ocorre em "Brandenburg Gate", "Iced Honey" e "Cheat On Me", nas quais a voz de Hetfield, claramente combinando mais com a instrumentação, abafa momentaneamente a de Reed. Também seria o caso de "The View", não fosse por Hetfield repetindo o ridículo verso "I am the table!" - que já virou motivo de piada na Internet. Também há alguns elementos isolados que parecem funcionar relativamente bem, como a instrumentação acústica em "Little Dog", o zunido persistente ao fundo de "Pumping Blood" e "Mistress Dead", o riff de "Dragon" e os arranjos de violino em "Junior Dad". São pequenos exemplos que se destacam em suas respectivas canções, mas que, incorporados ao todo, não conseguem esconder suas falhas.

Após noventa minutos de confusão sonora, a questão proposta no primeiro parágrafo só tem uma resposta possível: esses artistas não poderiam, jamais, combinar. Seria apenas racional pensar que ambos tiveram, em algum momento, um motivo especial para trabalhar juntos, algum resultado bom que inspirasse confiança suficiente para gravar uma obra de uma hora e meia de duração. Mas esse motivo não está aparente, de maneira alguma.

Enquanto há raras ocasiões em que os músicos parecem estar em sintonia, elas são tão curtas e insignificantes que não dão explicação de porque eles sequer decidiram entrar em um estúdio. Tem-se a impressão de que essa falha conceitual básica, da clara ausência de química, passou totalmente despercebida por todos que trabalharam no projeto; mesmo após sua finalização, tanto Lou Reed quanto Metallica proclamam aos quatro ventos, em todas suas entrevistas, que é uma das melhores coisas que já fizeram na vida. Tendo em vista alguns dos projetos mais bizarros que Reed já produziu, tais declarações não são tão impactantes; no entanto, para o Metallica, que não teme em admitir que, por exemplo, seu oitavo trabalho (St. Anger, 2003) foi um fracasso, é assustador ver sua confiança no sucesso de Lulu.

Talvez a única redenção para esse disco esteja no fato de que ele é tão bizarro quanto o nome "Lou Reed & Metallica" sugere. É uma combinação peculiar, até interessante, que se manterá notória por muitos anos, e continuará atraindo ouvintes curiosos. Estes serão recompensados com algo ainda mais estranho do que esperado, e tão desagradável e perturbador quanto sua má reputação prometia. Lulu deve se consolidar como uma das maiores provas de que ideias ruins podem sair do papel, serem executadas de forma ainda pior, e lançadas ao público sem qualquer intervenção do bom-senso.

Nota do Crítico
Bom

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