|
||
Você gosta de Beach Boys? Ao ouvir essa pergunta, a tendência é se lembrar de "Surfin USA", "Barbara Ann" e, quando muito, de "Good Vibrations" e cravar um "gosto" sem grande convicção. Um "gosto" simpático, o mesmo "gosto" que poderia ser usado para falar de Caetano Veloso, Chumbawamba ou Ray Conniff.
Compreensível até, pois o grande público está mais familiarizado com as músicas do começo da carreira da banda, de melodias simples (e boas), e temas relacionados ao surfe, namoricos e, claro, ao amor pela Califórnia. Entretanto, quem desconhece a existência do álbum Pet Sounds ainda não experimentou algumas das melhores sensações que a música pode provocar. Êxtase, deleite, melancolia, pureza, alegria, nostalgia... E o melhor: toda essa viagem sem precisar consumir droga nenhuma!
Uma breve contextualização: em 1966, jovens cabeludos de todo o mundo já haviam testemunhado o amadurecimento dos Beatles. Entre eles, o baixista Brian Wilson (pouco cabeludo), cérebro e líder dos Beach Boys. Ele ficou tão maravilhado quando escutou Rubber Soul , do quarteto de Liverpool, que se sentiu na obrigação de contribuir para o engrandecimento da música mundial.
Brian colocou na cabeça que ele e Paul McCartney eram uma espécie de competidores, com a missão de brindar a humanidade com uma sonoridade jamais vista, ou melhor, jamais ouvida.
Então ele se trancafiou numa casa de campo, cercado de instrumentos e animais domésticos. Ali permaneceu durante semanas, intercalando idas ao estúdio com o seu colaborador, Tony Asher. Brian estava obstinado em compor algo formidável.
E conseguiu. O álbum dos animais de estimação não só se tornou a obra-prima da banda como também uma referência para tudo o que surgiria dali em diante. Acostumado com a simplicidade da banda, o público estranhou, mas a crítica aplaudiu. E, para deleite de Brian, seu "rival" Paul McCartney certa vez declarou: "Tenho raiva de Brian. Ele compôs a canção mais perfeita que existe (God Only Knows)".
A felicidade do beach boy só terminou quando os Beatles lançaram Sgt. Peppers, em 1967. Aí Brian se sentiu derrotado e teve até de fazer terapia para superar o trauma. Mas isso é outra história.
Mais de 30 instrumentos, incluindo cordas, metais e percussão, são utilizados nas canções de Pet Sounds, de maneira equilibrada, com arranjos elaborados e ao mesmo tempo leves, sem exagerar no virtuosismo. O trabalho vocal? Um primor.
Pet Sounds é arroz-de-festa em todas as listas dos melhores álbuns da história, sempre nas primeiras colocações. Inovou tanto musicalmente quanto nas técnicas de gravação e produção. A seguir, um breve comentário faixa-a-faixa.
- Wouldnt be Nice
Uma tentativa de acostumar os ouvidos dos fãs para o que vem a seguir. Tem pinceladas dos primórdios da banda, mas deixa claro que a ingenuidade dos garotos da praia é algo do passado. Mike Love e Brian se alternam com competência nos vocais. - You Still Believe in Me
Brian acabara de criar uma nova forma de usar a escala, com seguidas progressões e pausas. A introdução é capaz de sensibilizar até mesmo lutadores de vale-tudo. Novamente Brian canta com o coração. - Thats not Me
Talvez a mais simples melodicamente, embora a percussão esteja perfeita. Mike Love faz um bom trabalho nos vocais. A letra é ingênua, porém deliciosa. "Eu poderia tentar ser grande aos olhos do mundo, mas o que importa para mim é o que eu significaria para apenas uma garota." - Dont Talk (Put Your Head On My Shoulder)
Uma pequena interrupção no crescimento da qualidade do álbum. A letra intercala tristeza e esperança, o clima fica meio pesado. Pelo menos há um bom trabalho com as cordas, com destaque para o violino. - Im Waiting For the Day
Grande recuperação. A melhor percussão de todo o álbum, flautas de arrepiar e a voz de Brian está mais encorpada do que nunca, acompanhada de um backing vocal capaz de fazer inveja a qualquer beatlemaníaco. - Lets Go Away For Awhile
Música instrumental com arranjos impecáveis. A melodia cresce (cresce é a palavra mesmo) e o ouvinte começa a se lembrar de momentos agradáveis da sua vida. - Sloop John B
Os bons e velhos Beach Boys de volta, gravando esse cover de uma música popular norte-americana. A melodia alegre mantém sintonia perfeita com o vocal à capela. - God Only Knows
Pela primeira vez a palavra "Deus" era usada no título de uma canção pop. E foi usada com propriedade. Arranjos celestiais e voz angelical de Carl Wilson. Digna de tocar no paraíso, com direito a bis. Para ouvidos e almas sensíveis, que o diga Paul McCartney. - I Know Theres an Answer
Mantém a qualidade da faixa anterior. Num trecho da música é possível visualizar perfeitamente alguém tocando viola, com os dedos atingindo vigorosamente as cordas. - Here Today
Melodia simples no começo, mas os arranjos elaboradíssimos aos poucos roubam a cena e até mesmo a voz de Mike Love parece ganhar emoção durante a música. As mudanças de tempo são realmente surpreendentes, dignas de um gênio da música pop. - I Just Wasnt Made For Theese Times
Pet Sounds retrata os sentimentos de Brian naquele momento e essa faixa talvez seja a mais autobiográfica de todas. Refere-se a uma pessoa incompreendida, à frente do seu tempo. Letra um pouco pretensiosa, mas os vocais no final compensam com folga. - Pet Sounds
Instrumental. Novamente um grande trabalho de percussão, acompanhado de metais precisos e melodia descontraída. - Caroline No
A preferida de Brian, que a canta com profunda amargura. A música trata de garotinhas meigas que acabam se transformando em mulheres repulsivas. As cachorras de Brian colaboram com alguns latidos. - Hang on to Your Ego
Repetem-se arranjos e letras de "I Know Theres an Answer", com um refrão diferente. Há algumas alterações nos vocais. Curioso que, apesar de escutar algo repetido num intervalo de poucos minutos, a satisfação continua a mesma.
Importância
Pode-se afirmar seguramente que Pet Sounds, dos Beach Boys, e Sgt. Peppers, dos Beatles, provocaram a maior revolução musical num curto espaço de tempo. Em nenhum outro momento a música pop deu um salto tão grande de qualidade técnica e combinação sonora. É claro que os acontecimentos da época conspiravam para isso. No contexto político-social, a guerra fria causava grande excitação ideológica nos meios acadêmicos, o avanço do feminismo rumava para a revolução sexual e as minorias mobilizavam multidões para conquistar um espaço inédito na cultura, política e economia. No cenário cultural, as produções cinematográficas americanas, japonesas e européias lançaram, na primeira metade dos anos 1960, filmes do calibre de Doutor Fantástico (Stanley Kubrick), Yojimbo (Akira Kurosawa) e 8 ½ (Federico Fellini). O cenário musical efervescia com Beatles, Rolling Stones, Roy Orbison, The Monkees, Elvis Presley, The Mamas and The Papas, Jan & Dean, Dick Dale, entre outros.
Essa combinação de fatores favorecia uma ebulição de criatividade e experimentação únicas na história da música. Brian Wilson soube captar a essência do momento e, somado ao talento pessoal e o entrosamento com os demais membros da banda, lançou um álbum que influencia a música até os dias atuais.
Influências
The Beatles, Phil Spector e The Four Freshmen.
Influenciados
The Beatles, The Who, Chicago, Pink Floyd, Elvis Costello, Ramones e Stereolab.
Navegue
- thebeachboys.com - site oficial da banda
- www.beachboysfanclub.com - página do fã-clube oficial
- www.brianwilson.com - website oficial do Brian
- www.beachboys.com - site não oficial
Leia mais Sugestões dos Chefs
Revolver - The Beatles
Parklife - Blur
Dois - Legião Urbana
Never mind the bollocks (here´s the Sex Pistols) - Sex Pistols