Filmes

Entrevista

Oscar 2016 | Diretor de O Menino e o Mundo, Alê Abreu fala sobre a expectativa para a premiação

"De certa forma, durante a cerimônia, vou estar acreditando que possa ganhar", diz Abreu

Omelete
4 min de leitura
28.02.2016, às 12H33.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H43

Com toda a torcida brasileira a seu lado, na expectativa pelo Oscar de Melhor Animação de 2016 para O Menino e o Mundo, o diretor Alê Abreu conta cada segundo daqui até a festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, esta noite, esperançoso por uma vitória capaz de mudar os rumos do setor animado na América Latina. Desde a criação da categoria, na cerimônia de 2002, nunca um filme de DNA latino conquistou o prêmio. E, apesar de o grosso das apostas para o resultado de hoje estarem com Divertida Mente, surpresas sempre podem ocorrer.

None

"Outro dia, estava ouvindo a canção "Canto Latino", do Milton Nascimento e do Ruy Guerra, e me lembrei da sensação que tinha dentro de mim quando idealizei O Menino e o Mundo, sem saber aonde nós chegaríamos. E, de certa forma, durante a cerimônia, vou estar acreditando que possa ganhar. É preciso acreditar e eu estou torcendo. Tem tudo a ver com o que diz a música do Miltoneste filme, que a gente fez com muita luta, traz em si um grito histórico da América Latina: o grito inconformado dos excluídos e dos revolucionários que sonham com um mundo de harmonia, com um país melhor, com um continente mais unido. E isto o que essa chance de disputar o Oscar representa para mim", diz o animador paulistano de 44 anos, por telefone de Los Angeles, ao Omelete.

Elogiado nas mais variadas línguas, O Menino e o Mundo deu a Abreu 45 láureas internacionais. Toda a consagração mundial deste seu ensaio sobre o desamparo teve como estopim a dupla vitória da produção em um dos mais prestigiados festivais do planeta, o Festival de Annecy, na França, apelidado de "Cannes da animação". Em 2014, ele saiu de lá com o prêmio máximo do júri oficial e do júri popular. E dali ganhou o planeta. Orçada em R$ 1,5 milhão e desenvolvida em cerca de três anos e meio de trabalho nas fornalhas da Filme de Papel, produtora fundada por Abreu na década de 1990, a fantasia de tintas sociais sobre um garotinho em busca do pai arrancou elogios até de seu maior adversário.

"Um dia desses, o Pete Docter, diretor de Divertida Mente, mandou uma mensagem para mim elogiando O Menino... O bonito desse gesto é que ele mostra o quanto a própria classe de animadores foi responsável pelo caminho que trilhamos até aqui. Em Annecy, o público que vota nos filmes é superespecializado. Eles entendem muito de animação, têm um gosto refinado, acompanham as tendências. Muitos deles fazem parte do colegiado da Academia. Foi o voto deles que trouxe a gente aqui", diz Abreu, que já prepara um novo longa: Viajantes do Bosque Encantado. "Eu tenho um processo de criação muito psicanalítico, no qual tudo o que me rodeia, sobretudo a solidão, pode ser incorporado como objeto de reflexão estética, como tema. É um processo mais filosófico, de certa forma, que se materializa nos personagens. Por isso, é uma surpresa ver que eu consiga chegar a tanta gente com minhas histórias."

Realizador de curtas-metragens cultuados como Espantalho (1998), Abreu estreou em longas em 2007 com Garoto Cósmico, já marcado por toques de existencialismo, corrente que alinha as contemplações de O Menino e o Mundo. "Eu não conhecia muito da obra do Andrei Tarkovsky [cineasta eslavo que filmava na União Soviética, famoso por filmes como Solaris e Nostalgia], mas vendo os longas dele agora e entendendo a relação contemplativa dele com o tempo, percebo muitas conexões com meu trabalho. Meu cinema tem algo de tarkovskiano no esforço de buscar o inominável, o imaterial", diz o cineasta, que contou com o poder de fogo de sua distribuidora nos EUA, a GKdis, que já disponibilizou para os americanos cults como O Conto da Princesa Kaguya (2013) e Chico & Rita (2010), ambos indicados ao Oscar, para promover O Menino e o Mundo. "Ela é a mais importante na distribuição de animações mais autorais, como Ernest & Célestine, com um catálogo invejável que adquire dois ou três longas estrangeiros por ano, numa seleção feita a dedo".

Em paralelo ao turbilhão do Oscar, Abreu trabalha agora na Europa com o produtor Didier Brunner, lenda responsável por longas como As Bicicletas de Belleville (2003), no desenvolvimento de uma série de DNA francês com base em O Menino e o Mundo. "Este projeto será uma mistura do universo do meu filme com elementos do projeto On the Way to School, sobre a vida de crianças de diferentes países. É uma série sobre a realidade escolar e os percalços que as crianças encaram para chegar ao colégio".

No Brasil, Abreu ainda desenvolve uma outra série, Vivi Viraventoda qual será  supervisor artístico. Seu sonho agora é que, com toda a visibilidade no exterior, a animação brasileira ganhe maior respeito aos olhos das autoridades governamentais. "Faço animação desde os 13 anos. São mais de três décadas de carreira, onde eu vi muita tecnologia chegar, muita tradição acabar, como o 35mm. Vi as leis de incentivo aparecerem e sustentarem a nossa indústria. Foi muita mudança. Mas nessa transformação toda, nossa qualidade jamais caiu. Nossa animação só fez crescer e dar orgulho, com muita diversidade e vida", diz Abreu. "Os filmes estão aí como um reflexo do nosso país."

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.